Paradoxo do veganismo
As pessoas adeptas do veganismo parecem consumir a quantidade recomendada de proteínas e aminoácidos essenciais e têm uma dieta baseada principalmente em alimentos não processados e minimamente processados - mas é apenas "principalmente", e isso traz preocupações.
Na verdade, os níveis adequados de ingestão de proteínas só valeram para os veganos que ingerem mais produtos alimentícios industrializados, como suplementos proteicos e proteína texturizada de soja, o que sugere haver nessa população algum grau de dependência de nutrientes provenientes de alimentos ultraprocessados.
O termo "ultraprocessado" se refere a formulações de substâncias obtidas na indústria por meio do fracionamento de alimentos, além da adição de aditivos químicos (corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes etc.) que tornam esses produtos altamente palatáveis.
"Nossos resultados se contrapõem ao estigma de que a dieta vegana não seria capaz de fornecer a quantidade necessária de proteína e aminoácidos essenciais que uma pessoa precisa. Como pudemos observar, ela pode ser adequada do ponto de vista nutricional. Em relação aos alimentos ultraprocessados, observamos que os veganos avaliados consumiam menores quantidades desse tipo de alimento quando comparados à população em geral," afirmou o professor Hamilton Roschel, da USP.
Bons níveis de proteínas e aminoácidos
Os pesquisadores calcularam a ingestão de proteínas e aminoácidos essenciais, além do consumo de alimentos por nível de processamento de 774 voluntários, que fizeram um diário alimentar contendo as informações de tudo o que consumiam.
Da mesma forma que o consumo adequado de proteínas pode ser uma questão na dieta vegana, também é esperado que haja naturalmente uma maior dificuldade em atingir os níveis necessários de aminoácidos essenciais. "Sabe-se que alimentos de origem animal são, em geral, mais densos não apenas em proteína, mas também em aminoácidos essenciais. Carne, leite ou ovos apresentam mais proteína por grama de alimento que o arroz ou o feijão, por exemplo. Por isso, era também importante investigar se essa demanda estava sendo suprida em dietas compostas apenas por proteínas vegetais," detalhou Hamilton.
Os dados mostraram que a alimentação dos participantes consistia, em grande parte, de alimentos in natura ou minimamente processados (66,5% da ingestão energética), enquanto os ultraprocessados correspondiam a 13,2%. Na população brasileira de modo geral, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), os valores são de 44,9% para in natura e minimamente processados e 23,7% para ultraprocessados.
Ultraprocessados entre os veganos
O mais preocupante, porém, é que o estudo identificou uma importante associação entre a adequação da ingestão de proteínas entre os veganos e o consumo de alimentos ultraprocessados. "Apesar de essa população consumir uma quantidade baixa de ultraprocessados, uma parcela parece depender desse tipo de alimento para suprir a demanda proteica. Isso se deve, em parte, ao fato de os alimentos in natura serem, em geral, menos densos em proteínas, o que abriu uma avenida de exploração pela indústria dos chamados substitutos da carne, que vêm ganhando mercado," explicou o pesquisador.
É o caso de produtos que imitam diferentes tipos de carne a partir de proteínas vegetais processadas, como hambúrgueres, salsichas e nuggets veganos, ou outras preparações como substitutos de queijos e derivados, que se utilizam de proteínas vegetais alternativas, como da soja, ervilha, arroz ou batata, para a confecção de alimentos ultraprocessados ricos em proteína vegetal.
É importante destacar que o consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao risco aumentado de ganho de peso, diabetes, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, além de depressão, alguns tipos de câncer e mortes prematuras, por exemplo. E, embora ainda não se conheçam todos os efeitos de produtos ultraprocessados à base de plantas, evidências recentes sugerem que estes podem ser igualmente danosos à saúde.
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