27/10/2008

Obesidade, bulimia e anorexia: Freud explica?

Paulo Roberto Andrade - Agência USP

Freud e a obesidade

Um estudo do Instituto de Psicologia (IP) da USP relacionou as teorias do médico e fundador da psicanálise Sigmund Freud com a obesidade. Em sua pesquisa de mestrado apresentada ao IP, a psicóloga Raquel Berg defende de que a origem e a evolução da doença têm profundas relações com questões do desenvolvimento psíquico. Ela ressaltou a influência da sociedade e da família no desenvolvimento da obesidade.

Para a autora, os estudos psicanalíticos sobre a obesidade são escassos. Por isso, parte da pesquisa foi dedicada a um levantamento bibliográfico do trabalho de Freud e de seus comentadores sobre o tema. Em seus trabalhos, apesar de discutir a questão das patologias alimentares, o tema da obesidade não é contemplado. Freud discutiu a questão da anorexia e da bulimia em suas pacientes com histeria, que, segundo a teoria freudiana, é um conflito psíquico que resulta em sintomas corporais.

Obesidade, bulimia, anorexia

Atualmente, a obesidade é encarada pela área médica como uma doença, ao contrário da bulimia e da anorexia, que são consideradas patologias psiquiátricas. Entretanto, a recorrência de sofrimento psíquico na obesidade e após uma cirurgia de redução de estômago, por exemplo, é um sinal de que a relação do obeso com seu corpo está além da questão biológica.

Para Raquel, a grande dificuldade das pesquisas psicanalíticas é que nem sempre há uma relação direta de causa e efeito entre um problema somático e questões psíquicas. Isso, segundo a pesquisadora, favorece que causas psíquicas sejam freqüentemente desvinculadas de patologias como a obesidade. "Minha hipótese teórica trata a obesidade como uma psicopatologia, o que não significa que a parte do corpo esteja descartada. Eu considero que corpo e mente estão sempre juntos, e acho fundamental que haja pesquisas que analisem a influência genética e hormonal na constituição da obesidade. São trabalhos que podem se complementar no tratamento do obeso, mas nunca substituir um ao outro" explica a psicóloga.

O papel da família

As relações familiares interferem na constituição da obesidade. Segundo o estudo, a obesidade é desenvolvida em contextos familiares onde comer é uma forma de resolução de problemas e situações. Raquel ainda contrapõe essa situação com a anorexia, na qual freqüentemente se observa um enrijecimento de regras e de busca de autocontrole por parte da paciente.

A mãe, segundo a pesquisadora, tem um papel fundamental nas relações com a criança, pois ela é responsável pela alimentação do bebê nos primeiros meses de vida. A criança então, pode desenvolver um medo de perda de vínculo com a mãe, que se reflete no comer em excesso. Por outro lado, a ausência de uma figura paterna atuante nas famílias contribui para o aumento das patologias alimentares, inclusive a obesidade.

Sociedade narcisista

A pesquisa considerou, como agravantes da obesidade, a questão do narcisismo na sociedade. Segundo Raquel, a sociedade prega hoje um ideal de corpo perfeito. "A maioria das pessoas não come mais por prazer, come o que a sociedade diz que é melhor. Nesse sentido, quando queremos comer um doce, sempre surge a dúvida se podemos comer ou não, como se fosse pecado comer algo calórico e com menos nutrientes do que uma fruta ou um legume. A questão do balanço alimentar é praticamente uma neurose coletiva. Com isso, os gordinhos se tornam o principal alvo de críticas da mídia e da sociedade", comenta a psicóloga.

O problema é quando essa imposição da sociedade acaba com a liberdade das pessoas. Para Raquel, existe não apenas um ideal de corpo, mas um ideal de vida no qual só se pode ser feliz sendo supermagro e com uma dieta saudável. Assim, a qualidade de vida deixa de ser um benefício e passa a ser uma obrigação.

Patologias aceitáveis

Um ponto curioso do estudo foi a constatação de que anorexia e bulimia são patologias aceitáveis pela sociedade, pois favorecem uma aparência que é cobrada socialmente. O obeso, ao contrário, sofre com o menosprezo social. "Ele é discriminado e, muitas vezes, vira motivo de chacota. As pessoas acham que o obeso é gordo porque quer. E por mais que ele não goste de estar nessa situação, a obesidade oculta - e escancara - seu sofrimento, pois o comer também é uma forma de lidar com suas angústias", analisa.

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