Segundo uma denúncia publicada pela rede de notícias britânica BBC, o Brasil está vivendo uma reedição da "tragédia da talidomida".
A talidomida foi introduzida, no final dos anos 1950, como um sedativo. A droga era dada às mulheres grávidas para combater os sintomas do enjoo matinal.
Mas o uso durante a gestação restringiu o crescimento dos membros dos bebês, que nasceram com má-formação nas pernas e braços.
Em torno de 10 mil bebês nasceram com defeitos físicos em todo o mundo até que a droga fosse tirada de circulação em 1962.
Na maioria dos países, os bebês vítimas da talidomida se tornaram adultos, hoje com cerca de 50 anos de idade, e não houve mais novos casos registrados.
Mas no Brasil a droga foi reintroduzida em 1965 como tratamento das lesões da pele, uma das complicações da hanseníase.
A polêmica droga é distribuída na rede pública para tratar pessoas com hanseníase - doença antigamente chamada de lepra, causada pelo bacilo de Hansen, o Mycobacterium leprae, que ataca nervos periféricos e a pele.
Mas algumas mulheres, por desconhecerem seus riscos, têm tomado o medicamento no Brasil durante a gestação.
Os casos de hanseníase no Brasil são mais recorrentes do que em qualquer outra parte do mundo, exceto a Índia. Mais de 30 mil casos são diagnosticados todos os anos - com milhões de pílulas de talidomida sendo distribuídas para tratar a doença.
Pesadelo revivido
Pesquisadores citados pela BBC afirmam que já existem 100 casos de crianças com defeitos físicos exatamente como os causados pela talidomida nos anos 1950.
"Uma tragédia está ocorrendo no Brasil... Esta é uma síndrome completamente evitável", afirma Lavinia Schuler-Faccini, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A professora Lavinia Schuler-Faccini e outros pesquisadores da UFRGS investigaram os registros de nascimento de 17,5 milhões de bebês entre 2005 e 2010.
"Quanto maior o número de pílulas em cada Estado, maior o número de defeitos nos membros (dos bebês)", explica a pesquisadora.
No mesmo período de 2005-2010, cerca de 5,8 milhões de pílulas de talidomida foram distribuídas em todo o Brasil.
Talidomida no Brasil
No Brasil, há uma regulamentação bastante restrita para o uso da talidomida. Ela pode ser prescrita apenas para mulheres que estiverem utilizando duas formas de contraceptivo e concordarem em fazer testes regulares de gravidez.
Mulheres que recebem prescrição de talidomida no Brasil são orientadas a utilizar duas formas de contracepção. Elas também passam por testes regulares de gravidez.
Existem alertas bem claros nas embalagens do remédio, como uma imagem de um bebê nascido com deficiências.
Mas a hanseníase é uma doença das populações mais pobres, em áreas em que o cuidado com a saúde é ruim e a educação é inadequada.
Onde a hanseníase é mais comum, a talidomida continuará a ser prescrita e o risco de bebês nascerem com defeitos físicos continuará.
Artur Custodio, do Morhan (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase), reconhece que a talidomida é perigosa, mas afirma que carros causam mais acidentes com vítimas que se tornam deficientes físicos no Brasil do que o medicamento.
"Nós não falamos sobre banir o uso de carros, nos dizemos que deveríamos ensinar as pessoas a dirigir com responsabilidade", afirma. "É a mesma coisa para a talidomida".
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