Sensação de que o mundo está pior
"No meu tempo dava para confiar nas pessoas." "O mundo ficou mais desonesto." "A moral coletiva está em declínio."
Frases desse tipo recheiam as mensagens nas redes sociais, defendendo que valores sociais importantes teriam se corrompido ao longo do tempo.
No entanto, cientistas afirmam que essa percepção parece ser, na verdade, uma ilusão coletiva, que acaba tendo efeitos nocivos para a sociedade e até para a política.
"Por toda a minha vida, escutei as pessoas falando sobre o declínio da bondade humana," disse Adam Mastroianni, da Universidade de Colúmbia (EUA), que decidiu estudar o tema em conjunto com seu colega Daniel Gilbert, da Universidade de Harvard (EUA).
A dupla de pesquisadores começou analisando 177 pesquisas de opinião feitas entre 1949 e 2019 nos Estados Unidos, englobando 220 mil respondentes, e 58 pesquisas, com 354 mil participantes, em 59 países, incluindo duas no Brasil, realizadas em 2002 e 2006.
Na ampla maioria dessas pesquisas, em todo o período de 70 anos, o público respondeu que os valores morais estavam se perdendo. No caso do Brasil, em uma conduzida pelo instituto Pew, 94% dos participantes afirmaram que o declínio moral era um problema grande ou muito grande, índice acima da média (na casa dos 80%) geral dos demais países pesquisados.
Mastroianni destaca que a percepção de que os valores sociais estão corroídos em comparação com o passado é sentida tanto entre jovens quanto idosos, e entre pessoas alinhadas a variados espectros políticos.
Valores morais em níveis constantes
Mas a noção geral de que a moralidade está piorando começou a ruir na segunda etapa da pesquisa, quando os dois psicólogos focaram nos resultados de mais de 100 pesquisas globais, conduzidas entre 1965 e 2020, em que os participantes respondiam a perguntas do tipo: "Como você avalia o estado da moralidade no seu país?".
A maioria respondia que achava a situação ruim. Mas esse índice se manteve estável - sem sinais significativos de piora - mesmo com o passar dos anos. O mesmo aconteceu quando as pessoas respondiam se tinham sido tratadas com respeito no dia anterior, ou se achavam as pessoas solícitas: Nada indicou que houve uma piora com o passar dos anos.
Algo que não bate, portanto, com a percepção de declínio dos valores morais. "Se, assim como alegavam os participantes da etapa 1, a moralidade está em declínio há décadas, seria fácil identificar mudanças nas respostas das pessoas a essas perguntas (da etapa 2). (Mas) foi bastante difícil encontrar qualquer mudança nas respostas das pessoas," afirmou Mastroianni. "Fizemos testes estatísticos para identificar se havia mudanças significativas nas respostas das pessoas ao longo do tempo. Não encontramos nenhuma. Às vezes esses indicadores morais subiam um pouco, mas na média eles não se moveram."
Ou seja, faz décadas que muita gente acha que a sociedade está pior do que era antes, mas essa sensação não é corroborada pelas próprias pessoas entrevistadas.
"Você imaginaria que, em lugares que fossem menos instáveis e agora estão mais estáveis, menos pessoas diriam que existe um declínio moral acontecendo, e vice-versa," comentou Mastroianni. "Mas não vemos isso nas pesquisas, o que sugere que a sensação das pessoas não necessariamente coincide com a experiência recente delas, embora elas achem que sim. Isso sugere que se trata de algo psicológico, e não da realidade."
Só ouvimos o pior
Mas então por que é tão persistente essa sensação de que as pessoas estão piores? Os pesquisadores ressaltam dois pontos:
"Primeiro, vários estudos já indicaram que seres humanos tendem a buscar e a reter informações negativas a respeito de outras pessoas, e os meios de comunicação em massa satisfazem essa tendência com um foco desproporcional em (notícias sobre) pessoas se comportando mal. Sendo assim, as pessoas podem acabar se deparando com mais informações negativas do que positivas sobre a moralidade geral, e esse 'efeito de exposição enviesada' pode explicar por que as pessoas acreditam que a moralidade atual é relativamente baixa," escrevem os dois pesquisadores.
Em segundo lugar, eles afirmam que "numerosos estudos já demonstraram que, quando as pessoas relembram eventos positivos e negativos do passado, os eventos negativos têm mais probabilidade de serem esquecidos, lembrados de modo diferente ou de terem perdido seu impacto emocional."
Os pesquisadores também conduziram experimentos próprios, perguntando diretamente a uma amostra de participantes: "Quão gentis/boas as pessoas são hoje?", em comparação com diferentes momentos no passado. E, curiosamente, os participantes identificavam um declínio moral apenas na duração de suas próprias vidas, não antes de terem nascido. "É como se fosse: 'Foi só quando eu cheguei à Terra que (a moralidade) começou a piorar'," disse Mastroianni.
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