Paradoxos da saúde
A melhoria das condições socioeconômicas, o aumento da expectativa de vida e o consequente crescimento da população idosa oferecem novos desafios à saúde pública, o que inclui as doenças crônico-degenerativas.
Por isso, uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) decidiu descrever e analisar os índices de mortalidade por câncer de boca nas capitais brasileiras, além de correlacioná-los com indicadores socioeconômicos.
Os achados, à primeira vista, parecem contraditórios: de modo geral, quanto maior o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), maior o índice de mortalidade por câncer oral.
No entanto, esses resultados evidenciam a transição demográfica e epidemiológica que o país está atravessando. O artigo com o estudo sobre câncer oral foi divulgado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz.
Doenças de ricos e doenças de pobres
Segundo estimativas para 2008, o câncer oral acometeria 3 mil homens e 1.140 mulheres nas capitais brasileiras. De acordo com o estudo da UFRN, as capitais das regiões Sul e Sudeste apresentam o maior índice de mortalidade por esse tipo de câncer. Elas também apresentaram valores de IDH-M mais elevados no que se refere à educação, à longevidade e à renda.
Por um lado, esses dados sugerem que melhores condições socioeconômicas não são suficientes para proteger a população contra essa doença.
Por outro, apontam para os problemas da desigualdade social, onde a população idosa e a incidência de doenças crônico-degenerativas aumentam nas regiões mais ricas, enquanto nas mais pobres persistem as altas taxas de mortalidade infantil e as doenças infecciosas e parasitárias.
Doenças do envelhecimento
Os resultados, portanto, sustentam a tese de que as regiões com melhores indicadores socioeconômicos podem ser mais propensas ao desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas.
"Tais regiões possuem melhores indicadores demográficos para esperança de vida aos 60 anos de idade e proporção de idosos na população, fortalecendo a relação do câncer com a longevidade", explica o artigo, assinado por Danielle Borges, Marina Sena, Maria Ângela Ferreira e Ângelo Roncalli.
Outro achado da pesquisa ajuda a sustentar essa afirmação: os autores observaram uma correlação inversa entre o índice de mortalidade infantil e o índice de mortalidade por câncer oral, isto é, os óbitos por essa doença são menos frequentes no Nordeste, onde a mortalidade infantil é mais elevada e uma proporção menor de indivíduos chega aos 60 anos.
Maior notificação
"Em relação aos achados entre a renda per capita e o índice de mortes por câncer oral dentre a mortalidade geral, a concepção de que o câncer está altamente associado ao desenvolvimento econômico fica mais evidente", completa o artigo.
Para explicar o resultado segundo o qual os indicadores de educação também se associaram a maiores índices de mortalidade por câncer de boca, os pesquisadores utilizaram um argumento baseado nos sistemas de informações sobre saúde.
Ou seja: em localidades onde o nível educacional é mais elevado, a população tem mais acesso aos serviços de saúde e estes, por sua vez, realizam uma notificação dos casos mais rigorosa. "As doenças crônico-degenerativas representam um grande problema de saúde pública, necessitando de levantamento e controle mais efetivos", adverte a equipe da UFRN.
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