Os sons que penso ouvir
Apesar de os sentidos corporais serem nossas janelas para o mundo exterior, as pessoas raramente questionam o quão fielmente elas captam e se representam internamente os eventos da realidade física externa.
Durante os últimos 20 anos, as pesquisas em neurociência têm revelado que o córtex cerebral constantemente gera previsões sobre o que acontecerá a seguir, e que os neurônios responsáveis pelo processamento sensorial apenas codificam a diferença entre nossas previsões e a realidade real.
Por exemplo, descobrimos que nossa memória do passado molda como descrevemos o presente - e até o futuro.
Agora, uma equipe de neurocientistas da Universidade Técnica de Dresden (Alemanha) apresentou novas descobertas que mostram que não apenas o córtex cerebral, mas toda a via auditiva, representa os sons de acordo com as expectativas anteriores.
Atividade só nos sons diferentes
A equipe usou imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) para medir as respostas cerebrais de 19 participantes enquanto eles ouviam sequências de sons. Esses voluntários haviam sido instruídos a tentar descobrir quais sons da sequência se desviavam dos demais.
Em seguida, as expectativas dos participantes foram manipuladas de modo que eles esperassem o som desviante em determinadas posições das sequências. Os neurocientistas examinaram as respostas diretamente no cérebro, conforme a audição dos sons desviantes ativavam os dois núcleos principais da via subcortical responsáveis pelo processamento auditivo: o colículo inferior e o corpo geniculado medial.
Embora os participantes reconhecessem o desvio mais rapidamente quando ele era colocado nas posições esperadas, os núcleos subcorticais codificaram os sons apenas quando eles foram colocados em posições inesperadas - nada acontecia nas situações nas quais os voluntários já estavam "acostumados".
Codificação preditiva
Segundo a equipe, esses resultados podem ser melhor interpretados no contexto da codificação preditiva, uma teoria geral do processamento sensorial que descreve a percepção como um processo de teste de hipóteses. A codificação preditiva assume que o cérebro está constantemente gerando previsões sobre como o mundo físico vai parecer, soar, sentir e cheirar no próximo instante, e que os neurônios encarregados de processar nossos sentidos economizam recursos representando apenas as diferenças entre essas previsões e o mundo físico real.
"Nossas crenças subjetivas sobre o mundo físico têm um papel decisivo em como percebemos a realidade. Décadas de pesquisas em neurociência já haviam mostrado que o córtex cerebral, a parte do cérebro mais desenvolvida nos humanos e macacos, varre o mundo sensorial testando essas crenças e comparando-as com as informações sensoriais reais. Agora mostramos que esse processo também domina as partes mais primitivas e evolutivamente conservadas do cérebro. Tudo o que percebemos pode estar profundamente contaminado por nossas crenças subjetivas do mundo físico," disse o professor Alejandro Tabas.
Dislexia
Dada a importância que as previsões têm no dia a dia, problemas na forma como as expectativas são transmitidas para a via subcortical podem ter profunda repercussão na cognição. A dislexia do desenvolvimento, o transtorno de aprendizagem mais difundido, já foi associada a respostas alteradas na via auditiva subcortical e a dificuldades em explorar regularidades de estímulos na percepção auditiva.
Estes novos resultados podem fornecer uma explicação unificada de por que os indivíduos com dislexia têm dificuldades na percepção da fala e fornecem aos neurocientistas clínicos um novo conjunto de hipóteses sobre a origem de outros distúrbios neurais relacionados ao processamento sensorial.
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