Doping
São até 400 amostras de sangue e urina dos atletas olímpicos por dia.
Este é um recorde olímpico de uma competição paralela à Olimpíada: os exames antidoping.
O uso de drogas ilícitas continua sendo uma das principais manchas na imagem não apenas dos Jogos Olímpicos, mas dos esportes como um todo.
Antidoping
Em Londres, os atletas suspeitos de doping estão sempre na mira do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da Agência Mundial Antidoping (WADA, na sigla em inglês).
Martial Saugy é o responsável pelo Laboratório de Análises de Dopagem da Suíça, onde as duas instituições esportivas estão sediadas, que é um dos principais centros de luta contra o abuso de substâncias pelos atletas.
Nesta entrevista, ele fala sobre passaportes biológicos, coquetéis multidrogas, motores escondidos em bicicletas e se os cientistas estão ganhando a batalha contra a dopagem de atletas.
O senhor está ansioso com os Jogos Olímpicos ou com a possibilidade de encontrar alguém positivo?
Martial Saugy: Eu fico sempre animado antes das Olimpíadas, mas depois de 20 anos de luta contra a dopagem no esporte minha opinião mudou um pouco. Mas eu amo o esporte, tanto praticando como assistindo.
Quais foram os principais progressos antidoping desde os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008?
MS: Logo após Pequim, reanalisamos várias amostras e detectamos Cera, um desses novos EPOs (hormônios que controlam a produção de células vermelhas do sangue), em cerca de 10 atletas de elite, incluindo no Rashid Ramzi, que ganhou o ouro no 1500m.
Além disso, o teste para o hormônio de crescimento humano está bem desenvolvido. Desde Pequim houve vários casos positivos em que os atletas admitiram ter tomado hormônio de crescimento, o que dá muita credibilidade ao teste.
Outra coisa é a implementação do passaporte biológico.
Ele é uma boa ferramenta de prevenção e dissuasão. O ciclismo introduziu um passaporte hematológico após Pequim e pudemos observar uma diminuição significativa na dopagem dos ciclistas.
Para as Olimpíadas de Londres, o COI autorizou que algumas disciplinas de resistência - ciclismo, atletismo, remo, triatlo, natação - façam os testes antes das competições e as diferentes federações serão informadas se o atleta está OK para participar.
Qual é a droga predileta dos atletas em Londres?
MS: É difícil dizer. Existem atualmente vários hormônios presentes no mercado que imitam o efeito da EPO, como o hormônio de crescimento humano ou que estimulam a produção da própria testosterona.
Nós, no entanto, não vimos nenhum sinal grave de um aumento na utilização destas substâncias. Ao contrário de Pequim, não parece haver uma molécula nova no mercado que poderia ser usada nas Olimpíadas de Londres.
Nós tendemos a classificar as substâncias em função das disciplinas, mas isso não é tão certo como era no passado, quando dizíamos 'OK, esteroides anabolizantes para explosão e força - no caso, para velocistas - e transfusões de sangue e EPO apenas para atletas de resistência'.
Sabemos agora que a testosterona é usada por atletas de resistência, porque é muito boa para recuperação. A EPO também pode ser muito útil para um corredor, porque pode ser muito boa para os treinamentos exigentes e para a recuperação.
Estes coquetéis multidrogas são dados em micro dosagens para dificultar a detecção.
Como é que o seu laboratório participa nos Jogos Olímpicos de Londres?
MS: Os controles e testes de drogas estão sob a responsabilidade do Centro de Controle de Drogas do King's College de Londres. O diretor do laboratório, David Cowan, convidou mais laboratórios europeus para enviar pessoas para ajudar. Seis membros do meu pessoal vão ajudar nas análises, pois há muito trabalho para um curto período de tempo.
Eles estão fazendo o exame de sangue que são incluídos nos passaportes biológicos das federações. Nós estamos participando disso. Os passaportes biológicos de todos os atletas serão analisados e decodificados aqui.
Quem está vencendo a corrida do doping, os atletas ou os cientistas?
MS: Você nunca ganha porque não há linha de chegada. Estamos sempre lutando em um nível superior. Os procedimentos analíticos estão se tornando cada vez mais sofisticados para detectar os trapaceiros, que naturalmente se adaptam rapidamente, tornando-se ainda mais sofisticados.
Na década de 1980, os atletas tomavam doses enormes de esteroides. Eu diria que foi preciso dez anos para que os laboratórios se adaptassem e fossem capazes de detectar todas as fraudes, como as do Ben Johnson. Aí então, os dopados se adaptam e aparece a EPO. Eles tiveram que se adaptar novamente em 2000, quando os laboratórios franceses descobriram como detectar a EPO na urina.
É sempre assim. É uma luta que nunca termina. Mas meu sentimento é que com a aplicação de um passaporte biológico e seu efeito dissuasor estamos mais perto do que há dez anos. Quanto à aplicação da tecnologia, estamos basicamente páreo a páreo.
Quais são os principais argumentos contra a legalização do doping? Assistir o pessoal pulando alto como pulgas seria divertido, não seria?
MS: Bem, isso é filosófico, e minha filosofia é que eu sou contra uma sociedade que se baseia no desempenho falso. Por isso, eu sou contra o uso de medicação apenas para um melhor desempenho. Os medicamentos devem ser usados para curar as pessoas.
Fazendo o que o senhor faz, a gente acaba se tornando um pouco cínico, não? Por exemplo, se alguém quebra um recorde mundial, o senhor fica na dúvida?
MS: Como eu disse, eu amo o esporte e tentei não me tornar cínico demais.
Olhando para os recordes dos 100 metros ao longo do tempo, alguns foram batidos com fraudes, alguns não.
Eu vi Usain Bolt correr 9,58 segundos (o atual recorde mundial) em Berlim, em 2009. Para mim, isso foi uma evolução normal de um atleta que sempre foi muito forte desde o início.
Por isso eu não digo que um novo recorde é impossível. Claro que às vezes vou ter uma outra reação se alguém vem do nada e tem um desempenho anormal. Em outros casos tento acreditar que o desempenho está limpo.
Mas, afinal, nunca será possível garantir uma Olimpíada 100% limpa?
MS: 100% limpa é impossível porque os atletas são humanos e que sempre haverá fraudes.
Estamos tentando diminuir o percentual de fraudes para o nível mínimo aceitável, e eu acho que estamos perto disso.
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