14/11/2022

Nostalgia: Como a direita radical está reescrevendo o passado e explorando o ódio

Redação do Diário da Saúde

Retórica nostálgica

Você já teve ter recebido vídeos com imagens do passado, expressando uma visão do progresso às avessas, com as coisas do passado sendo mostradas como se fossem melhores e superiores às do presente.

Embora pareçam se basear em sentimentos saudáveis e salutares - todos gostamos de nos lembrar de coisas que foram importantes em nossa infância -, esses vídeos são o que os psicólogos chamam de "retórica nostálgica", uma tentativa de reescrever o passado, tirando dele todas as dificuldades e se esquecendo de todos os benefícios que conquistamos desde então.

Mais recentemente, a retórica nostálgica tem sido fortemente usada por partidos e movimentos políticos de direita e de esquerda, uma vez que cada seção do espectro político imagina e faz uso de diferentes versões do passado.

Mas parece que os radicais de direita - não os liberais de direita, mas os radicais - estão fazendo melhor uso dessa técnica de reescrever o passado, tirando proveito das dificuldades do presente como se elas não existissem no passado, e, desta forma, fazendo um chamamento a valores ultraconservadores.

"Quando se trata de nos orientar em um mundo em mudança, muitos olham para trás e não para o futuro porque o passado parece mais seguro. É quando a retórica nostálgica se torna facilmente acessível e importante," disse Gabriella Elgenius, professora de sociologia da Universidade de Gotemburgo (Alemanha).

Juntamente com Jens Rydgren, sociólogo da Universidade de Estocolmo (Suécia), ela estudou o papel da nostalgia nacionalista na política. O foco da pesquisa está em esclarecer como a nostalgia se torna uma ferramenta retórica para os populistas e para a direita radical.

Radicais reescrevem seu passado para explorar ódio no presente

A dupla examinou a questão analisando campanhas políticas no Reino Unido, Polônia, Holanda, Líbano, EUA e Suécia, entre outros. Na Suécia, eles também analisaram manifestos políticos e partidários, bem como artigos de jornais partidários, para ver como o enquadramento retórico de problemas e soluções muda ao longo do tempo.

Segundo os pesquisadores, a marca da nostalgia nacionalista é a noção de que o passado é superior ao presente. Os nacionalistas olham para uma pretensa "idade de ouro", a qual é então comparada sempre favoravelmente em relação ao presente.

Ao mesmo tempo, a retórica defende que a sociedade atual estaria caindo aos pedaços e que teríamos perdido algo vital, que estaria no passado. O discurso da perda pode ser centrado em coisas como bem-estar, segurança, proteção, identidade ou oportunidades. E o foco da nostalgia varia dependendo do contexto local, do partido e da orientação política.

"Entre a direita radical, a nostalgia está muitas vezes ligada à ideia de decadência, de que a nação está em decadência, principalmente devido à imigração não europeia, e que é necessária uma ação política imediata para evitar uma catástrofe iminente," disse Rydgren.

Esse tipo de nostalgia tenta endossar a ideia de que houve um tempo em que éramos mais parecidos uns com os outros e que isso era uma coisa boa, enquanto agora estaríamos nos tornando mais diferentes, e que isso é um problema.

"Isso torna-se um perigo se a noção de semelhança for usada contra outros grupos, o que está acontecendo hoje. A nostalgia ajuda a formular uma retórica que visa os migrantes, dizendo que eles não deveriam estar realmente aqui, que eles pegam recursos do estado do bem-estar e cometem crimes. Isso alimenta a amargura e o ressentimento no presente," disse Elgenius.

Embora o estudo não tenha abarcado dados do Brasil, as descrições feitas pelos dois pesquisadores dos efeitos da retórica nostálgica aplicada à política são notavelmente similares às que ocorrem hoje, bastando substituir o ódio aos migrantes pelo ódio a um ou outro partido político, dependendo da inclinação de cada um.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Nationalism and the Politics of Nostalgia
Autores: Gabriella Elgenius, Jens Rydgren
Publicação: Sociological Forum
DOI: 10.1111/socf.12836
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