Retórica nostálgica
Você já teve ter recebido vídeos com imagens do passado, expressando uma visão do progresso às avessas, com as coisas do passado sendo mostradas como se fossem melhores e superiores às do presente.
Embora pareçam se basear em sentimentos saudáveis e salutares - todos gostamos de nos lembrar de coisas que foram importantes em nossa infância -, esses vídeos são o que os psicólogos chamam de "retórica nostálgica", uma tentativa de reescrever o passado, tirando dele todas as dificuldades e se esquecendo de todos os benefícios que conquistamos desde então.
Mais recentemente, a retórica nostálgica tem sido fortemente usada por partidos e movimentos políticos de direita e de esquerda, uma vez que cada seção do espectro político imagina e faz uso de diferentes versões do passado.
Mas parece que os radicais de direita - não os liberais de direita, mas os radicais - estão fazendo melhor uso dessa técnica de reescrever o passado, tirando proveito das dificuldades do presente como se elas não existissem no passado, e, desta forma, fazendo um chamamento a valores ultraconservadores.
"Quando se trata de nos orientar em um mundo em mudança, muitos olham para trás e não para o futuro porque o passado parece mais seguro. É quando a retórica nostálgica se torna facilmente acessível e importante," disse Gabriella Elgenius, professora de sociologia da Universidade de Gotemburgo (Alemanha).
Juntamente com Jens Rydgren, sociólogo da Universidade de Estocolmo (Suécia), ela estudou o papel da nostalgia nacionalista na política. O foco da pesquisa está em esclarecer como a nostalgia se torna uma ferramenta retórica para os populistas e para a direita radical.
Radicais reescrevem seu passado para explorar ódio no presente
A dupla examinou a questão analisando campanhas políticas no Reino Unido, Polônia, Holanda, Líbano, EUA e Suécia, entre outros. Na Suécia, eles também analisaram manifestos políticos e partidários, bem como artigos de jornais partidários, para ver como o enquadramento retórico de problemas e soluções muda ao longo do tempo.
Segundo os pesquisadores, a marca da nostalgia nacionalista é a noção de que o passado é superior ao presente. Os nacionalistas olham para uma pretensa "idade de ouro", a qual é então comparada sempre favoravelmente em relação ao presente.
Ao mesmo tempo, a retórica defende que a sociedade atual estaria caindo aos pedaços e que teríamos perdido algo vital, que estaria no passado. O discurso da perda pode ser centrado em coisas como bem-estar, segurança, proteção, identidade ou oportunidades. E o foco da nostalgia varia dependendo do contexto local, do partido e da orientação política.
"Entre a direita radical, a nostalgia está muitas vezes ligada à ideia de decadência, de que a nação está em decadência, principalmente devido à imigração não europeia, e que é necessária uma ação política imediata para evitar uma catástrofe iminente," disse Rydgren.
Esse tipo de nostalgia tenta endossar a ideia de que houve um tempo em que éramos mais parecidos uns com os outros e que isso era uma coisa boa, enquanto agora estaríamos nos tornando mais diferentes, e que isso é um problema.
"Isso torna-se um perigo se a noção de semelhança for usada contra outros grupos, o que está acontecendo hoje. A nostalgia ajuda a formular uma retórica que visa os migrantes, dizendo que eles não deveriam estar realmente aqui, que eles pegam recursos do estado do bem-estar e cometem crimes. Isso alimenta a amargura e o ressentimento no presente," disse Elgenius.
Embora o estudo não tenha abarcado dados do Brasil, as descrições feitas pelos dois pesquisadores dos efeitos da retórica nostálgica aplicada à política são notavelmente similares às que ocorrem hoje, bastando substituir o ódio aos migrantes pelo ódio a um ou outro partido político, dependendo da inclinação de cada um.
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