Serei eu louco?
"Os profissionais estão atribuindo importância excessiva para a carga genética de uma pessoa, como se isso, por si só, fosse capaz de determinar o futuro de um ser humano."
O alerta é do Dr. Eduardo Mutarelli, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Ele acrescenta que muitos cientistas e médicos estão interpretando os conhecimentos gerados pela genética de maneira "perigosa".
O Dr. Mutarelli comentava justamente o caso de um neurocientista norte-americano que acreditava saber tudo sobre como eram os cérebros dos psicopatas, mais especificamente, de criminosos violentos.
Apesar do pesado e lamentável histórico das tentativas de vinculação de comportamentos a aspectos biológicos, o Dr. James Fallon, professor de psiquiatria e comportamento humano da Universidade da Califórnia (EUA), seguia triunfante com suas "evidências" poderiam indicar criminosos por exames de laboratório, mais especificamente, por imagens do cérebro.
Até que ele decidiu testar seu "conhecimento" e suas teorias nele próprio. Bingo: seguindo suas próprias teorias, ele próprio era um psicopata "cientificamente comprovado".
Teoria pela culatra
A constatação de Fallon aconteceu em 2005, quando ele analisava tomografias de cérebros de assassinos em série. Ele queria ver se encontrava alguma relação entre os padrões anatômicos dos cérebros desses pacientes e seu comportamento.
Fallon explicou que, para ter uma base de comparação, tinha colocado na pilha tomografias de membros de sua própria família - a ideia era usá-los como modelos de cérebros "normais".
Ao chegar ao fim da pilha, onde estavam os exames de sua família, o cientista viu uma tomografia que mostrava um padrão claro de patologia. "O exame mostrava baixa atividade em certas áreas dos lobos frontal e temporal que estão associadas à empatia, moralidade e ao autocontrole," conta ele.
Fallon contou que, no começo, pensou que fosse um engano. Mas feitas as checagens, o neurocientista, que estudava psicopatas há mais de duas décadas, viu-se às voltas com uma realidade um tanto quanto incômoda: o cérebro representado naquele exame era seu.
"As mesmas áreas do cérebro estavam completamente apagadas, como nos piores casos que eu tinha visto", disse Fallon.
Para se certificar que seus exames de neuroimagens estavam certas, Fallon resolveu fazer mais pesquisas envolvendo a genética: exames do seu DNA confirmaram que ele tinha genes alelos associados à ausência de empatia e a comportamentos agressivos e violentos.
"Tenho vários traços em comum com psicopatas, só não sou criminoso. Nunca matei nem estuprei ninguém e prefiro vencer uma discussão com argumentos do que com força física," se defende ele.
A questão que fica para a sociedade é: será que alguém levaria a sério alegações desse tipo feitas por um réu, sem nenhuma formação científica, e que argumente o mesmo ante "provas" e análises forenses apresentadas contra ele em uma acusação?
Mudar o mundo pela educação
As revelações de James Fallon, descritas em um livro que ele escreveu reconhecendo seu próprio "lado negro" revivem um debate que há muito intriga especialistas: somos produto da nossa herança genética ou do meio em que vivemos?
Para o neurologista da USP Eduardo Mutarelli, o caso de Fallon reforça o papel da sociedade - ou seja, do meio - na formação do indivíduo. E ajuda a combater uma certa tendência "determinista" na forma como nosso potencial genético vem sendo interpretado por médicos e cientistas hoje.
"A genética hoje trabalha muito com probabilidades, com potencial genético e fatores de risco", disse Mutarelli.
O médico citou como exemplo doenças como o Mal de Alzheimer ou o Mal de Parkinson.
"Com o conhecimento atual, sabemos que existe uma certa carga genética associada a essas doenças. Mas você carrega um certo fator de risco e isso vai se transformar em doença caso outras coisas contribuam para isso. Você não se cuida, não come direito, esses são fatores de risco para que a pessoa venha a desenvolver a doença," observa.
No caso específico de James Fallon, Mutarelli faz uma ressalva: "No caso dele, se ele tem um exame de imagem de cérebro que é igual ao de um psicopata, ele só não é psicopata porque foi bem-educado".
"O lobo frontal está desregulado, a alteração existe na experiência dele e a ressonância mostra a alteração, ou seja o gene foi ativado. Ele só não é um assassino em série por causa da família", reforçou o professor.
E concluiu: "O jeito de mudar o mundo é educando".
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