Na contramão da ciência
O presidente interino Michel Temer sancionou uma lei que autoriza o uso de aviões para pulverizar substâncias químicas e inseticidas contra o mosquito Aedes aegypti.
A decisão foi duramente criticada por ignorar todas as evidências científicas e alertas de saúde sobre a aspersão de inseticidas sobre a população.
"Alguns países da Comunidade Europeia, e também o Canadá e os Estados Unidos, vêm restringindo a pulverização aérea. Nós vemos um retrocesso muito grave para a saúde pública. O fumacê não resolveu, tem tornado o mosquito resistente, e não vai ser com essa pulverização desordenada, que pouco alcança o alvo, que vai resolver," criticou o procurador regional do Ministério Público do Trabalho, Pedro Serafim.
O coordenador do Grupo de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Marcelo Firpo, classificou a autorização prevista na lei como um "retrocesso civilizatório". Segundo ele, as áreas afetadas vão ser usadas como laboratórios: "Vai fazer da população em geral um grande espaço de experimentação humana com substâncias perigosas, cujos efeitos só vão aparecer anos depois."
A Lei 13.301/2016 prevê a "incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida" como umas das medidas de combate ao mosquito transmissor de dengue, zika e chikungunya.
Interesses do mercado
As organizações atribuem a sanção da lei por Michel Temer a interesses do mercado. "Quem está pressionando para que a legislação seja aprovada? Não são os órgãos públicos e instituições de saúde, que deveriam ser os principais consultados. Eles se colocaram contrários a essa legislação", disse o coordenador da Abrasco. "É algo que veio do setor da aviação privada, com interesse sobretudo econômico", acrescentou Serafim, do FNDCIA.
O Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola já defendeu, em várias ocasiões - inclusive em audiência pública do Senado em junho - uma proposta de pulverização aérea de inseticidas em áreas habitadas.
O uso, no entanto, teria que passar por um teste piloto em local de grande infestação. Na ocasião, o Ministério da Saúde se manifestou contra a proposta por temer que as substâncias provocassem danos à saúde humana.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e a Campanha Contra os Agrotóxicos também já se manifestaram contra a lei.
Lei contra pulverização de agrotóxicos
A lei não delimita quais substâncias serão permitidas ou proibidas nas pulverizações. A Abrasco critica o uso de qualquer produto, mas cita com maior preocupação o Malation, produto químico usado em carros de fumacê pelo país.
"Muitos princípios ativos que combatem, por exemplo, o ciclo reprodutivo dos insetos, também têm potencial de afetar o organismo humano. Esse é o caso da substância Malation. Foi classificada pelo IARC [sigla em inglês para Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer], ligado à OMS [Organização Mundial de Saúde], como um produto provavelmente cancerígeno", explicou.
Segundo Marcelo Firpo, da Abrasco, a regra sancionada por Temer é "inconstitucional e ilegal" porque contraria legislação já existente sobre pulverização de agrotóxicos em áreas de circulação humana.
A Lei 7.802/1989, que trata dos agrotóxicos, não faz menção ao uso dos produtos por meio de pulverização em áreas urbanas, mas uma instrução normativa do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento proíbe a aplicação aeroagrícola em áreas situadas a uma distância mínima de 500 metros de "povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população", e de 250 metros de "mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais".
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