Chave e fechadura
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) sintetizaram uma substância inspirada no receptor natural do vírus SARS-CoV-2, causador da covid-19.
A substância se mostrou capaz de proteger células pulmonares humanas da infecção nos testes in vitro, além de tratar a inflamação causada pelo vírus em camundongos suscetíveis à covid-19.
O resultado é um caminho promissor para a criação de bloqueadores antivirais mais eficazes contra a doença, que já matou mais de 700 mil brasileiros.
O vírus SARS-CoV-2 conecta sua proteína de pico - uma espécie de "gancho" que o vírus usa para se conectar à célula - à proteína ACE2, localizada na superfície das células humanas, para então invadi-las. Foi essa proteína que serviu de inspiração para a criação do novo composto, um peptídeo.
"O momento da infecção acontece como se fosse o encaixe entre uma chave e uma fechadura," compara o professor Geraldo Passos. "A 'chave' representa a proteína de pico do vírus, e a fechadura, o receptor ACE2 das células humanas. Os 'dentes' da chave, ou seja, os resíduos de aminoácidos da proteína de pico, são complementares ao 'segredo fechadura', os aminoácidos ACE2."
Os resíduos de aminoácidos da proteína de pico e da ACE2 interagem entre si e isso "abre a porta" para o vírus infectar as células humanas. Quanto melhor for essa interação, maior será o potencial de infecção do vírus - este é, inclusive, o fator que tornou a variante B.1.1.7 do SARS-CoV-2 tão mais contagiosa.
Escudo antivírus
Os cientistas brasileiros descobriram um modo de bloquear a ligação da proteína de pico com a ACE2 e, consequentemente, proteger as células humanas da infecção. Para isso, eles projetaram um peptídeo mimético (semelhante) ao receptor ACE2 por meio de programas de bioinformática de proteínas, e então foram testando modificações em seus resíduos de aminoácidos até acharem o "segredo da fechadura".
Experimentos in vitro, utilizando células pulmonares humanas em cultura, e in vivo, com camundongos suscetíveis ao vírus, confirmaram que o peptídeo sintético é capaz não só de controlar a infecção, mas também de tratar os animais que haviam sido previamente infectados, fazendo com que a inflamação pulmonar causada pela covid-19 diminuísse drasticamente.
"Nós conseguimos 'enganar' o vírus, dando a ele uma parte do receptor ACE2 livre [o peptídeo sintético], que, interagindo com a proteína de pico antes que essa proteína se ligasse à superfície das células, obstruiu sua entrada. Estudando as bases estruturais do reconhecimento do receptor ACE2 pelo SARS-CoV-2, nós elaboramos uma barreira molecular contra o vírus," concluiu Passos.
Uma grande vantagem é que um medicamento que venha a ser fabricado com o peptídeo identificado pelos pesquisadores não dependerá do sistema imunológico para funcionar e poderá ser projetado de forma específica para cada nova variante do vírus.
E, como tem ação rápida, já que funciona como um escudo molecular, a substância poderá ser eficaz para barrar o vírus num curto prazo, especialmente em pacientes imunossuprimidos ou crianças com imunodeficiências e baixa resposta imunológica às vacinas.
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