Do mistério ao desafio
A quantidade e qualidade das pesquisas realizadas sobre o vírus HIV e sobre a AIDS hoje no mundo contrasta com o verdadeiro mistério que essa doença representava para a ciência apenas 30 anos atrás.
A história da descoberta do vírus foi tema da conferência apresentada pelo pesquisador francês Willy Rozenbaum, um dos codescobridores do HIV e atual presidente do Conselho Nacional de AIDS da França, em conferência nesta realizada no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Ele recordou os principais passos que levaram à identificação do retrovírus e abordou avanços, descobertas e os grandes desafios ainda representados pela doença.
Descoberta da AIDS
Willy recordou o momento em que um estranho dado epidemiológico fez sua carreira de clínico interessado na epidemiologia de doenças infecciosas mudar de rumos.
"No início dos anos 1980, começaram a ser registradas muitas infecções oportunistas, como linfomas, em pacientes que não tinham nenhum motivo para apresentarem seu sistema imunológico debilitado.
Primeiro, o único fator em comum entre quase todos eles era a homossexualidade, mas em pouco tempo os heterossexuais já representavam cerca de 10% das pessoas com essa imunodeficiência de origem desconhecida", descreveu o pesquisador.
Nos meses seguintes, surgiram hipóteses relacionando a doença a algum tipo de vírus transmitido pelas relações sexuais e pelo uso de drogas intravenosas, mesmas vias de transmissão do vírus da hepatite B, identificado em 1975.
"Essa ideia foi reforçada pela identificação do primeiro retrovírus humano, também no início da década de 1980. Em 1983, a hipótese foi confirmada ao conseguirmos isolar o retrovírus responsável pela doença, o HIV, um vírus completamente diferente de todos os conhecidos até o momento" conta Willy.
A evolução da pesquisa em AIDS
A partir daí, a comunidade científica se dedicou ao estudo do ciclo da doença, desenvolvendo testes capazes de indicar a infecção pelo vírus antes dos primeiros sintomas clínicos, bem como formas de tratamento e prevenção.
"No início, o diagnóstico era apenas clínico e só acontecia com a doença já avançada. Ao entender o ciclo de replicação viral e principalmente após a criação das modernas técnicas de PCR, no início da década de 1990, foi possível desenvolver testes sorológicos para o diagnóstico da AIDS e relacionar o desenvolvimento da doença com o aumento da carga viral e a queda dos níveis do linfócito CD4, uma de nossas mais importantes células de defesa", explicou Willy.
"Esse conhecimento permitiu avaliar a evolução da doença no organismo, além de possibilitar o tratamento e a prevenção das infecções oportunistas a partir dos níveis de anticorpos, melhorando a qualidade de vida das pessoas que viviam com HIV", afirmou.
Alternativas para o tratamento da infecção pelo vírus também não demoraram a aparecer, mas os resultados a médio prazo frustraram as expectativas dos pesquisadores.
Primeiros medicamentos contra a AIDS
"O AZT, medicamento capaz de suprimir a replicação viral, foi desenvolvido em 1986 e rapidamente colocado à disposição dos pacientes. Porém, apesar da grande melhora apresentada no início da utilização, em 20 semanas os pacientes retornavam à mesma condição anterior ao tratamento. Isso nos mostrou um grande desafio, pois as drogas selecionavam as mutações do vírus menos sensíveis, fazendo com que o AZT parasse de funcionar", recordou Willy.
Nos anos seguintes, foram criadas outras drogas e as primeiras estratégicas de combinação entre elas, mas o resultado nunca era duradouro. A situação mudou na década de 1990, com o desenvolvimento de novas gerações de medicamentos inibidores de proteases.
"Atuando diretamente na capacidade do vírus de penetrar nas células de defesa, eles apresentavam resultados melhores na redução de carga viral e efeitos mais permanentes", explicou.
Hoje, cerca de 25 drogas são utilizadas no tratamento da doença, combinadas em estratégias terapêuticas que visam controlar a carga viral e os níveis de CD4.
Vacina e prevenção
Além de relembrar a evolução das pesquisas sobre o HIV nas últimas três décadas, Willy também abordou os desafios que a AIDS ainda representa nos dias de hoje.
"Apesar da queda acentuada de mortes e de infecções oportunistas associadas à doença, muito relacionada aos avanços no tratamento, o número de casos continua aumentando. Hoje são 30 milhões de pessoas vivendo com o HIV e, neste ritmo, em 2030 serão 60 milhões. Talvez a explicação para isso seja a grande parcela da população que tem o vírus, mas não sabe", avalia.
"Ainda não estamos próximos de uma vacina, mas temos apresentado avanços no estudo de microbicidas, tratamentos de pré e pós-exposição, e estratégias de prevenção da transmissão vertical.
É importante entender que só o preservativo não basta, é preciso combinar diversas estratégias de prevenção, controle e tratamento da doença. Lidar com a questão do preconceito, que ainda é grande, e transformar as inovações em alternativas de tratamento e prevenção disponíveis a toda a população também são questão fundamentais para os próximos anos", acredita o francês.
HIV no Brasil
Bernardo Galvão, pesquisador da Fiocruz-Bahia e um dos responsáveis pelo isolamento pioneiro do HIV no Brasil, realizado no Instituto Oswaldo Cruz em 1987, destacou a capacidade brasileira de responder ao surgimento da AIDS e abordou os avanços nacionais na luta contra a doença.
"O isolamento do vírus foi um marco da pesquisa nacional, mostrou como é fundamental investir em saúde e ciência para preparar o país para o surgimento de novas doenças. A partir dele foi possível desenvolver, por exemplo, um sistema de triagem dos bancos de sangue do país, conquista que colocou o Brasil no cenário mundial de luta contra a doença, rendendo à Fiocruz participação na Rede Internacional de Isolamento e Caracterização do HIV", lembrou Galvão.
"Hoje, a sociedade brasileira conquistou acesso ao tratamento gratuito para a doença através do Sistema Único de Saúde e nossos pesquisadores continuam produzindo conhecimento científico de ponta sobre a AIDS", concluiu.
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