24/06/2012

Cientistas defendem o aborto, e não a saúde das mulheres

Com informações da Agência Brasil

Ciência e dogma

Pesquisas no Brasil e no restante do mundo mostram que as desigualdades sociais e raciais e, principalmente, o nível educacional, refletem-se diretamente na prática do aborto.

Contudo, defensores do aborto no Brasil insistem em desprezar todas as pesquisas científicas, e continuar na defesa ingênua de uma legalização da prática como se esta fosse proteger a saúde das mulheres.

Ou seja, o debate deixou de ser científico, e passou para a esfera dogmática, onde os favoráveis são a favor apenas para se opor a outros que são contra, este igualmente sem demonstrar conhecimento da questão ou se dispor a uma discussão aberta do assunto.

O estudo mais recente, realizado no Chile, onde se pôde comparar um período com o aborto legalizado, com outro período com o aborto ilegal, mostrou que é o nível educacional da mulher, com a sua consequente maior capacidade de procurar auxílio e fazer valer seus direitos, que têm impacto sobre sua saúde em decorrência da prática.

Pior para as mais pobres

Algo semelhante parece acontecer no Brasil.

"As características mais comuns das mulheres que fazem o primeiro aborto é a idade até 19 anos, a cor negra e com filhos", descreve em artigo científico inédito a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), e o sociólogo Marcelo Medeiros, também da UnB e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Diniz e Medeiros coordenaram, entre agosto de 2010 e fevereiro de 2011, levantamento com 122 mulheres entre 19 e 39 anos residentes em Belém, Brasília, Porto Alegre, no Rio de Janeiro e em Salvador.

Segundo os autores, a diferenciação sociorracial é percebida até no acompanhamento durante o procedimento médico. "As mulheres negras relatam menos a presença dos companheiros do que as mulheres brancas", registram os pesquisadores. "Dez mulheres informaram ter abortado sozinhas e sem auxílio, quase todas eram negras, com baixa escolaridade [ensino fundamental] e quatro delas mais jovens que 21 anos".

Os dados confirmam resultados encontrados pelos dois pesquisadores em 2010, quando verificaram, por meio de pesquisa de urna (método em que a entrevistada não se identifica no questionário que preenche e deposita em caixa vedada), que "o aborto é comum entre mulheres de todas as classes sociais, cuja prevalência aumenta com a idade, com o fato de ser da zona urbana, ter mais de um filho e não ser da raça branca".

No levantamento, o aborto se mostrou mais frequente entre mulheres com menor nível de escolaridade, independentemente da filiação religiosa.

Desigualdade social

Um outro estudo, realizado por Rebeca de Souza e Silva, do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, confirma a tese de que a desigualdade social afeta o acesso à prevenção da gravidez e também a qualidade do aborto.

De acordo com seu estudo comparativo entre mulheres casadas e solteiras residentes na cidade de São Paulo, "as solteiras recorrem proporcionalmente mais ao aborto provocado. Contudo, as mais pobres, com menor escolaridade e maior dificuldade de acesso às benesses do mundo moderno, continuarão pagando alto preço - que pode ser a própria vida - pela opção de provocar um aborto".

Escondendo o aborto

Daí por diante, contudo, os pesquisadores usam seus dados para concluir que legalizar o aborto defenderá a integridade da mulher e lhe dará bom atendimento, contrariando os próprios dados e as constatações sobre questões culturais no atendimento hospitalar que jamais serão alteradas por uma mudança na legislação.

Segundo a pesquisadora Estela Aquino, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o julgamento ético e religioso dos atendentes interfere no atendimento às mulheres que dão entrada no hospital depois de tentar a interrupção da gravidez.

"Isso leva as mulheres a procurar esconder que a interrupção foi voluntária, com medo de serem punidas ou mal-assistidas", pondera ela.

Segundo a pesquisa, o atendimento nem sempre segue recomendações de atenção humanizada, indicadas pelo Ministério da Saúde ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Exames clínicos também deixam de ser feitos. "A realização de exame após o procedimento, permitindo a avaliação do volume e aspecto do sangramento, correspondeu a 64,1% em Salvador e a 65,4% em Recife, mas foi bem menos frequente em São Luís [23,3%]", descreve.

Sem orientação

Além da falta de procedimentos recomendados, muitas pacientes não são orientadas adequadamente após a intervenção cirúrgica, o que pode expor as mulheres a riscos de saúde e de nova gravidez, ressaltando mais uma vez a importância do nível educacional das mulheres, para fazerem valer seus direitos.

"A falta de orientação sobre cuidados pós-alta e o agendamento de consulta de revisão permitiriam evitar complicações imediatas à saúde das mulheres, mas sobretudo a falta de orientação e prescrição da contracepção pós-aborto contribui para a reincidência do aborto, ferindo os direitos reprodutivos das mulheres", disse Estela Aquino em entrevista à Agência Brasil.

A pesquisadora da Ufba mostra que a formação dos médicos "é estritamente clínica" e "voltada ao manejo de complicações dentro da obstetrícia". Faltam conteúdos que permitam uma visão social ampla sobre o problema do aborto. "Mesmo os aspectos bioéticos e legais parecem ser negligenciados, o que se traduz no desconhecimento dos profissionais sobre aspectos no exercício da prática clínica. Também desconhecem a importância do aborto como problema de saúde pública", acrescenta.

Contra as evidências

Assim, apoiando-se no argumento irreal de que a mudança na legislação mudará toda a prática clínica, toda a formação médica, e todo o preconceito social, os pesquisadores passam a concentrar sua atuação política na defesa do aborto, desfocando-se do problema grave e urgente, do combate à desigualdade de gênero, do acesso à educação e da diminuição da desigualdade social.

Como os estudos mostram, legalizar o aborto não mudará a questão essencial da saúde da mulher.

Seria mais produtivo se, em vez de criarem atritos desnecessários com os setores antiaborto da sociedade, basicamente os setores religiosos, os cientistas se concentrassem na defesa da mulher, sobretudo das mulheres mais carentes - essencialmente, neste caso, aos seus direitos de uma vida sexual saudável, com acesso pleno a práticas de controle da natalidade.

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