Enquanto o mundo expressa temor sobre o risco de que o vírus H7N9 da nova gripe aviária venha produzir uma epidemia global, cientistas chineses fizeram em laboratório o que o mundo inteiro rezava para que não acontecesse.
Ying Zhang e seus colegas da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas criaram em laboratório uma cepa do vírus H5N1 - que continua fazendo vítimas na Ásia e no Egito - que é capaz de se transmitir entre mamíferos.
O H5N1 é a versão anterior mais temida da gripe aviária, que leva à morte quase dois terços das pessoas que pegam a gripe.
Estima-se que sejam necessárias cinco mutações naturais do vírus para que ele deixe de ser transmitido apenas das aves para humanos - como acontece hoje - e se torne transmissível de uma pessoa para outra.
Especialistas afirmem que, se o H5N1 ou o H7N9 se tornarem transmissíveis entre humanos, isso poderia gerar uma pandemia que mataria entre 100 mil e 100 milhões de pessoas.
Falta de segurança nos laboratórios
Embora ainda não haja indícios de que a natureza tenha feito isto, o grupo de pesquisadores chineses se antecipou e criou em laboratório os vírus mutantes capazes de causar a epidemia global.
Os vírus mutantes estão guardados em um laboratório refrigerado, mas a história mostra que estes laboratórios estão longe de ser seguros.
Recentemente, um frasco com um vírus mortal desapareceu de um laboratório nos EUA - entre 2004 e 2010 foram 88 casos de desaparecimento de amostras apenas nos laboratórios dos EUA.
Em outro caso, um pesquisador foi preso ao roubar uma amostra do laboratório onde fazia estágio - a ação judicial ocorreu não por ameaças à saúde da população, mas porque a amostra estava protegida por uma patente.
Há seis anos, um vazamento em um laboratório de pesquisas sobre a febre aftosa causou um surto da doença na Grã-Bretanha.
"O registro de retenção nos mais importantes laboratórios de contenção não é bom. Tem havido repetidos vazamentos", confirmou Robert May, ex-presidente da Royal Society of Science britânica, em entrevista à agência AFP.
Cientistas criam vírus mutante
Não é a primeira vez que os cientistas manipulam os vírus geneticamente para torná-los mais perigosos para o homem.
Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deu um duro puxão de orelhas nos cientistas que criaram um vírus mutante da gripe aviária.
Na época, dois estudos que chegaram ao mesmo resultado causaram polêmica até mesmo entre os cientistas, com duas revistas científicas de renome internacional se recusando a publicá-los. Depois de muitas controvérsias e uma moratória de um ano, os estudos foram finalmente divulgados.
A pergunta que se coloca é: por que ficar testando em laboratório as probabilidades de mutações que poderão nunca ocorrer naturalmente, apenas para criar vírus letais para a humanidade?
A resposta dos cientistas é que esses estudos são necessários "para conhecermos melhor como os vírus sofrem mutações na natureza".
Se o argumento fosse bem fundamentado, então seria o caso de perguntar se, agora que eles já "conhecem melhor" o processo, como esse conhecimento pode ajudar a lidar com o vírus H7N9 da nova gripe aviária?
Indignação
O novo estudo causou indignação mundial justamente por isso, pelos riscos certos, sem qualquer benefício, seja imediato, seja de longo prazo.
"Você não faz estas coisas a menos que exista algum apelo de emergência extrema," afirmou o professor de virologia Simon Wain-Hobson, do Instituto Pasteur, da França. "Estamos enfrentando um perigo presente e real com benefícios extremamente dúbios para o público".
Segundo ele, qualquer descoberta gerada por uma pesquisa desse tipo tem pouco valor para a criação de uma vacina ou de um medicamento para combater os vírus, enquanto uma epidemia causada pelo vírus geneticamente modificado em laboratório pode ser imediata.
"Eu acredito que esta pesquisa é crítica para a nossa compreensão da influenza. Mas um trabalho como este, em qualquer lugar no mundo, precisa ser estritamente regulamentado e conduzido nas instalações mais seguras, que sejam registradas e certificadas segundo um padrão internacional", afirmou Jeremy Farrar, diretor da Unidade de Pesquisa Clínica da Universidade de Oxford, em entrevista à revista Nature.
Estas polêmicas recentes talvez apontem para uma outra necessidade de regulamentação - uma regulamentação que a sociedade precise impor ao trabalho dos próprios cientistas.
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