18/10/2022

Bactérias intestinais domesticam vírus em nosso intestino

Redação do Diário da Saúde
Bactérias intestinais
As bactérias evoluíram de modo a "domesticar" os vírus bacterianos.
[Imagem: N. Frazão et al. - 10.1038/s41467-022-33412-8]

Evolução a longo prazo

Ao longo da vida, o nosso corpo passa por alterações contínuas. O mesmo acontece com as bactérias que vivem conosco. Afinal, esses seres unicelulares compõem uma grande parte das células no nosso organismo e são parte importante da nossa saúde.

Mas, em comparação com as células que compõem os nossos tecidos e órgãos, esses microrganismos multiplicam-se de forma muito rápida, o que faz com que erros ocasionais no seu material genético (mutações) surjam com mais frequência. Estes erros impulsionam a evolução dos microrganismos e ditam, entre outras coisas, a probabilidade de estes causarem doença.

A maioria dos estudos relativos à evolução das bactérias é realizada fora dos organismos vivos ou em modelos animais tratados com antibiótico, o que não mimetiza um ambiente natural e saudável. Além disso, são muito poucas as pesquisas que avaliam a evolução desses microrganismos por mais de um mês.

Por isso, a forma como as bactérias evoluem a longo prazo quando colonizam um hospedeiro saudável - nós - é ainda uma questão em aberto para a ciência. Mas isso começa a mudar.

Conquistando espaço

Pesquisadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (Portugal) estudaram pela primeira vez a evolução de uma variante invasora da bactéria Escherichia coli ao longo de mais de seis mil gerações no intestino de camundongos.

Eles descobriram que, quando uma nova bactéria coloniza o intestino de um mamífero, ela evolui de duas formas: 1) através da geração de uma vasta gama de mutações metabólicas, que alteram a sua capacidade de consumir nutrientes, ou 2) através da integração de material genético de outros microrganismos.

No decorrer do experimento, foram surgindo versões da bactéria E. coli genética e funcionalmente distintas e que, por isso, conseguem adaptar-se a nichos ambientais diferentes. Essas versões da mesma bactéria coexistem no intestino do hospedeiro por milhares de gerações.

Esta coexistência com versões sem as mutações, porém, pode dar lugar à fixação preferencial de bactérias com caraterísticas específicas, particularmente se estas apresentarem mutações que são benéficas. Isto aconteceu em todos os camundongos cujo intestino continha, desde o início, uma variante residente da E. coli.

Domesticando vírus

A competição entre as variantes residente e invasora fez com que ambas evoluíssem, sendo que a invasora adquiriu material genético proveniente da residente, através da ação de bacteriófagos (vírus que infectam bactérias).

Quando integram o material genético do vírus de forma estável, as bactérias tornam-se mais aptas a sobreviver no intestino. No entanto, se o vírus se multiplicar, estas acabam por morrer.

O que os pesquisadores descobriram é que, curiosamente, meses depois de colonizar o intestino do hospedeiro, a E. coli invasora tem maior taxa de sobrevivência porque inibe a multiplicação do vírus. Ou seja, as bactérias evoluíram de modo a "domesticar" os vírus bacterianos, mantendo os benefícios que estes lhes trazem, mas vendo-se livres dos custos associados.

"Foi realmente emocionante descobrir que as bactérias usam tantos processos distintos para evoluir no intestino," disse o pesquisador Nelson Frazão.

Este trabalho abre caminho para conseguirmos prever a evolução das bactérias no nosso corpo: "Ao percebermos como as bactérias evoluem a longo prazo, poderemos vir a antecipar ou até evitar a resistência a antibióticos ou a colonização do nosso intestino por bactérias patogênicas, que impedem o sucesso de alguns tratamentos e podem conduzir à morte," concluiu Nelson.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Two modes of evolution shape bacterial strain diversity in the mammalian gut for thousands of generations
Autores: N. Frazão, A. Konrad, M. Amicone, E. Seixas, D. Güleresi, M. Lässig, I. Gordo
Publicação: Nature Communications
Vol.: 13, Article number: 5604
DOI: 10.1038/s41467-022-33412-8
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