15/09/2022

Mais um vermífugo mostra potencial contra inflamação exagerada da covid-19

Com informações da Agência Fapesp
Mais um vermífugo mostra potencial contra inflamação exagerada da covid-19
Imunofluorescência de inflamassomas ativos em macrófagos infectados pelo SARS-CoV-2. A proteína ASC, que faz parte dos inflamassomas, está corada em verde. Os núcleos dos macrófagos estão corados em azul.
[Imagem: Leticia Almeida e Keyla Sá/USP]

Não use ainda

Experimentos com animais e com células humanas feitos na Universidade de São Paulo (USP) sugerem que a niclosamida, um vermífugo já amplamente utilizado, tem uma ação antiviral e poderia inibir a resposta inflamatória exacerbada que muitas vezes leva à morte pacientes com a forma grave da covid-19.

Contudo, será necessário desenvolver uma nova formulação do medicamento porque a atualmente disponível nas farmácias - de administração oral - não teria efeito nos pulmões.

Só então será possível caminhar para os estudos clínicos em humanos.

"O comprimido contendo niclosamida comercialmente disponível não é absorvido no estômago, por isso ele funciona para vermes intestinais. Mas não vai funcionar para covid-19 se tomado por via oral. Para contornar esse problema, será necessário desenvolver uma nova formulação da droga, que chegue diretamente aos pulmões," explicou o professor Dario Zamboni.

Assim, é importante evitar outra onda de "kits" lançados por políticos durante a pandemia - ainda que com apoio de alguns cientistas -, quando outros vermífugos e antiparasitários, como a ivermectina, a cloroquina e outros antivirais promissores contra a covid-19 foram adotados como tratamento sem comprovação de que seriam eficazes.

Inflamassoma

Os efeitos anti-inflamatórios da niclosamida observados pelos pesquisadores se devem ao bloqueio de um mecanismo imunológico conhecido como inflamassoma - um complexo proteico presente no interior das células de defesa. Quando essa maquinaria celular é acionada, moléculas pró-inflamatórias conhecidas como citocinas passam a ser produzidas para avisar o sistema imunológico sobre a necessidade de enviar mais células de defesa ao local da infecção.

A mesma equipe já havia mostrado que, em pacientes com a forma grave da covid-19, o inflamassoma costuma estar mais ativado que o normal e permanece dessa forma mesmo quando o vírus já foi eliminado do organismo, causando a resposta inflamatória sistêmica e exagerada (tempestade de citocinas), lesiva para o pulmão e demais órgãos.

Contudo, a niclosamida não deve ser usada como um tratamento profilático, ou seja, para supostamente prevenir a inflamação exacerbada.

"Um pouco de inflamação é importante para combater infecções por microrganismos patogênicos. O problema é quando a resposta inflamatória é exagerada, como em alguns casos mais graves da covid-19. Portanto, não estamos sugerindo o uso profilático da droga, pois pode não contribuir e até mesmo prejudicar a recuperação dos pacientes que não apresentam quadros graves de covid-19," disse Dario.

Niclosamida

Há muitos anos no mercado, a niclosamida tem sido indicada principalmente para tratar infecções por tênia. Recentemente, a droga tem despertado o interesse de pesquisadores por seu efeito antiviral.

O grupo da USP descobriu que a niclosamida promove um processo de limpeza celular conhecido como autofagia. Quando a autofagia é induzida, a célula destrói organelas velhas, recicla componentes celulares e desativa o inflamassoma. Esse processo também inibe a replicação do SARS-CoV-2 dentro da célula.

A descoberta de uma droga capaz de inibir o inflamassoma abre perspectivas de novas terapias para uma série de outras condições de base inflamatória. Isso porque, além da covid-19, o inflamassoma também está envolvido em doenças autoimunes, neurodegenerativas, gripe, alguns tipos de câncer e de doenças infecciosas, incluindo zika, chikungunya e febre do Mayaro.

"Dessa forma, embora o estudo tenha sido feito para covid-19, a niclosamida também funcionaria, em tese, para inibir o inflamassoma nessas outras doenças. Esses resultados abrem possibilidades para uma série de novas pesquisas," concluiu Dario.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Identification of immunomodulatory drugs that inhibit multiple inflammasomes and impair SARS-CoV-2 infection
Autores: Letícia de Almeida, Alexandre L. N. da Silva, Tamara S. Rodrigues, Samuel Oliveira, Adriene Y. Ishimoto, Amanda A. Seribelli, Amanda Becerra, Warrison A. Andrade, Marco A. Ataide, Camila C. S. Caetano, Keyla S. G. de Sá, Natália Pelisson, Ronaldo B. Martins, Juliano de Paula Souza, Eurico Arruda, Sabrina S. Batah, Ricardo Castro, Fabiani G. Frantz, Fernando Q. Cunha, Thiago M. Cunha, Alexandre T. Fabro, Larissa D. Cunha, Paulo Louzada-Junior, Rene D. R. de Oliveira, and Dario S. Zamboni
Publicação: Science Advances
Vol.: 8, Issue 37 D
DOI: 10.1126/sciadv.abo5400
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