A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, ou DSM-5, conhecido como a "Bíblia da psiquiatria", será lançada neste fim de semana, nos EUA, cercada de muita polêmica.
Há meses, especialistas e leigos vêm discutindo como as mudanças previstas na nova edição manual, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association, ou APA, na sigla em inglês), poderão impactar o diagnóstico de doenças mentais.
Segundo seus críticos, o novo manual amplia ainda mais o número de doenças mentais, além de aumentar as chances de alguém ser diagnosticado com os transtornos já existentes, reduzindo o número de sintomas necessários para que um paciente se encaixe em determinado diagnóstico.
Com isso, cresceria o número de pessoas tratadas com medicamentos para transtornos mentais - e, consequentemente, o mercado para a indústria farmacêutica.
Uma das principais críticas é a de que o DSM-5 estaria transformando em doenças comportamentos até agora considerados comuns, como o sofrimento após a perda de alguém próximo (a partir de agora, o luto que durar mais de duas semanas será considerado sintoma de depressão), colocando em discussão a fronteira entre o que é considerado "normal" e o que pode ser definido como doença mental.
"As fronteiras da psiquiatria continuam a se expandir; a esfera do normal está encolhendo", disse o psiquiatra Allen Frances, que comandou a comissão responsável pela quarta edição do DSM, em uma carta ao jornal The New York Times.
"Como presidente da Força-Tarefa do DSM-IV, eu devo assumir responsabilidade parcial por essa inflação de diagnósticos. Decisões que pareciam fazer sentido foram exploradas por empresas farmacêuticas em campanhas de marketing agressivas e enganosas. Elas venderam a ideia de que problemas da vida cotidiana são na verdade doenças mentais, causadas por desequilíbrios químicos e curadas com uma pílula", diz Frances, que é professor emérito da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, e um dos maiores críticos do DSM-5.
Loucura ética
Publicado desde 1952 pela APA, que é considerada a organização psiquiátrica mais influente do mundo, o DSM é usado por médicos de todo o planeta, inclusive do Brasil, além de servir como base para a classificação de doenças mentais incluídas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde.
Com tamanho impacto no diagnóstico e tratamento de doenças mentais no mundo todo, o DSM sempre foi alvo de polêmicas a cada nova edição. A última, de 1994, foi revisada em 2000.
"As edições anteriores foram provavelmente ainda piores que o DSM-5 vai ser", disse à BBC Brasil a psicóloga Paula Caplan, da Universidade de Harvard, que durante dois anos participou da comissão responsável pela elaboração da edição anterior.
Caplan diz ter abandonado a comissão "por questões éticas e profissionais" e por ter testemunhado o que classifica de "distorções" em pesquisas.
Ela aborda o tema no livro They Say You are Crazy: How the World's Most Powerful Psychiatrists Decide Who's Normal ("Eles dizem que você é louco: Como os psiquiatras mais poderosos do mundo decidem quem é normal", em tradução livre).
"Há pelo menos 20 anos, tem-se tratado como doença mental quase todo tipo de comportamento ou sentimento humano", diz Caplan.
Alguém defende?
Desta vez, porém, as críticas vieram até da maior organização de pesquisa em saúde mental do mundo, o National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental, ou NIMH, na sigla em inglês), ligado ao governo norte-americano.
Na semana passada, o diretor do NIMH, Thomas Insel, anunciou que o instituto está "reorientando suas pesquisas" e se distanciando das categorias do DSM.
"A fraqueza (do DSM) é sua falta de fundamentação", escreveu Insel em seu blog. "Seus diagnósticos são baseados no consenso sobre grupos de sintomas clínicos, não em qualquer avaliação objetiva em laboratório."
"Os pacientes com doenças mentais merecem algo melhor", disse Insel, ao mencionar o Projeto de Pesquisa em Domínio de Critérios (Research Domain Criteria, ou RDoC, na sigla em inglês), em que o NIMH pretende desenvolver um sistema de classificação de doenças mentais mais preciso, que inclua genética, ciência cognitiva "e outros níveis de informação".
Problema psiquiátrico
Em resposta às críticas de Insel, o presidente do grupo que elabora o DSM-5, David Kupfer, professor de psiquiatria na Universidade de Pittsburgh, disse que esforços como o do RDoC são "vitais para o contínuo progresso da nossa compreensão coletiva dos transtornos mentais", mas ressaltou que "não podem nos servir aqui e agora e não podem substituir o DSM-5".
"O novo manual (DSM-5) representa o mais sólido sistema atualmente disponível para classificar doenças (mentais). Reflete o progresso que fizemos em várias áreas importantes", disse Kupfer.
Na verdade, é difícil se livrar do DSM.
Para que recebam reembolso das seguradoras de saúde por tratamentos, os pacientes precisam que as doenças das quais sofrem sejam diagnosticadas oficialmente.
"O impacto do DSM é muito amplo", disse à BBC Brasil o psicoterapeuta Gary Greenberg, autor do livro The Book of Woe: The DSM and the Unmaking of Psychiatry ("O livro do Infortúnio: O DSM e o desfazer da psiquiatria", em tradução livre).
"As pessoas não deveriam se preocupar especificamente com o DSM-5, as versões anteriores já fizeram seu estrago. O que o DSM-5 está fazendo é chamar a atenção para os problemas atuais da psiquiatria, mas isso deve preocupar mais os psiquiatras do que os pacientes", disse.
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