27/02/2023

Medicamento mais usado para diabetes não funciona como cientistas pensavam

Com informações da Agência Fapesp
Medicamento mais usado para diabetes não funciona como cientistas pensavam
Cientistas da Unicamp mostraram que a mais importante ação da metformina acontece nos intestinos delgado e grosso e não no fígado, como se pensava.
[Imagem: Natália Tobar et al. - 10.1073/pnas.221193312]

Metformina

Pesquisadores brasileiros descobriram que a metformina, o medicamento mais utilizado no tratamento do diabetes tipo 2, não funciona do modo como cientistas e médicos acreditavam.

Em vez de atuar no fígado, como se pensava, a primeira e mais importante a ação da metformina acontece nos intestinos delgado e grosso.

"Quando pensamos em condições fisiológicas, temos em mente o seguinte caminho: o indivíduo ingere uma carga de glicose [alimento], essa carga é absorvida pelas células do intestino, que liberam a glicose para o fígado e outros tecidos. Observamos que a metformina atua no caminho contrário. Ela retira a glicose da circulação sanguínea e a traz para a célula intestinal, onde será metabolizada," explicou a pesquisadora Natália Tobar, da Unicamp.

A descoberta é ainda mais surpreendente levando em conta que a metformina é prescrita há mais de 60 anos no tratamento do diabetes tipo 2. Durante todo esse tempo, a explicação científica aceita era que seu mecanismo de ação seria a redução da produção hepática de glicose.

Ao observar que o uso da metformina proporcionava maior captação reversa de glicose no intestino dos pacientes, os pesquisadores brasileira descobriram que a droga estimula no fígado o reaparecimento da proteína transportadora de glicose conhecida como GLUT1.

"Durante o período fetal, o transportador GLUT1 age na retirada da glicose da circulação sanguínea do cordão umbilical para o intestino fetal, garantindo a sobrevivência do bebê, sendo desativado após o nascimento. Compreendemos, a partir daí, que a principal ação da metformina, com o reaparecimento desse transportador no intestino humano adulto, seria a de aumentar a captação de glicose nesse órgão. Em resumo: pensávamos, até então, que o fígado era o primeiro e principal órgão de atuação da droga. Mas agora compreendemos que seus efeitos acontecem em uma etapa anterior, no intestino," detalhou o professor Mário Saad, orientador da pesquisa.

Duplo controle da glicose

Os pesquisadores descobriram ainda que, além de desencadear o reaparecimento de GLUT1 no intestino dos pacientes, a metformina ativa outro transportador de glicose, o GLUT2, regulando a atuação de ambos os transportadores, de acordo com os níveis de glicemia.

"Se a glicemia do paciente está muito alta, quem age mais é o GLUT2. Do contrário, quem age é o GLUT1. Concluímos, assim, que ambos os transportadores atuam na redução da glicose na circulação sanguínea," disse Saad.

Uma vez retirada da circulação sanguínea, a glicose é metabolizada no intestino, transformando-se em lactato e acetato, que são transportados para o fígado, contribuindo para a redução da produção hepática da glicose.

"Esses metabólitos, produzidos no intestino, ajudam a regular a produção hepática de glicose. Se a glicemia for muito elevada, haverá grande captação e metabolização de glicose no intestino e os produtos da glicose chegam ao fígado e aí sim reduzem a produção hepática de glicose. Entretanto, se a glicemia for normal ou discretamente elevada, a captação e metabolização de glicose será apenas moderada, com menos produtos chegando ao fígado. Nessa situação não haverá redução da produção hepática de glicose. Assim, quem determina o efeito final da metformina é o intestino, que por meio de metabólitos conversa com o fígado e diz a esse órgão se ele deve ou não reduzir a produção de glicose", explicou o pesquisador Guilherme Rocha, coautor da pesquisa.

Ao esclarecer o funcionamento da metformina, a equipe brasileira na verdade descreveu um mecanismo farmacológico inédito contra o diabetes, abrindo novas perspectivas para o tratamento da doença.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Metformin acts in the gut and induces gut-liver crosstalk
Autores: Natália Tobar, Guilherme Z. Rocha, Andrey Santos, Dioze Guadagnini, Heloísa B. Assalin, Juliana A. Camargo, Any E. S. S. Gonçalves, Flavia R. Pallis, Alexandre G. Oliveira, Silvana A. Rocco, Raphael M. Neto, Irene Layane de Sousa, Marcos R. Alborghetti, Maurício L. Sforça, Patrícia B. Rodrigues, Raissa G. Ludwig, Emerielle C. Vanzela, Sergio Q. Brunetto, Patrícia A. Boer, José A. R. Gontijo, Bruno Geloneze, Carla R. O. Carvalho, Patricia O. Prada, Franco Folli, Rui Curi, Marcelo A. Mori, Marco A. R. Vinolo, Celso D. Ramos, Kleber G. Franchini, Claudio F. Tormena, Mario J. A. Saad
Publicação: Proceedings of the National Academy of Sciences
Vol.: 120 (4) e2211933120
DOI: 10.1073/pnas.221193312
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