Não é só ódio
A ascensão da extrema-direita nas democracias ocidentais nos últimos anos reavivou o interesse em como esses movimentos e partidos se engajam na política.
O discurso mais comum entre especialistas da imprensa e da academia destaca que essas ideologias seriam construídas fundamentalmente com base em um discurso de ódio, um ódio que é dirigido a diferentes atores em cada situação.
Mas esta não é a história toda, de acordo com os professores Alexandre Vázquez e Begonya Grau, da Universidade da Catalunha (Espanha).
Ao estudar detalhadamente o fenômeno em seu país, os dois pesquisadores constataram que a extrema-direita também faz uso do amor e de outros sentimentos positivos. A diferença é que os adeptos dessas ideologias tomam o amor a partir de uma perspectiva muito particular, baseada em conceitos estreitos de família, nação e em uma vertente de "igualdade" que leva em conta apenas os seus companheiros de crença.
"Ideologias muito conservadoras usam o amor pelo mesmo motivo que a esquerda, a direita tradicional e qualquer outro tipo de ideologia. Essa corrente política não usa o amor para esconder sua verdadeira face, que é a rejeição de quem não se identifica com seus valores. Essa tendência política ama - mas o problema é o que ela ama," explicou Alexandre.
O estranho amor da extrema-direita
Na postura de um extremista de direita, o amor é usado como ferramenta para estabelecer a diferença entre "nós" (famílias tradicionais, homens brancos e nascidos no país) e "eles", que podem ser a elite (incorporada nas classes governantes e no feminismo) ou os diferentes (famílias não tradicionais, migrantes, pobres etc). E as lideranças da extrema-direita induzem esses sentimentos em seus discursos.
Mas, segundo os pesquisadores, não se pode tecnicamente descartar esses apegos como se eles não fossem amor; é amor genuíno, mas um tipo de amor que não aceita o outro real, apenas os "outros" idealizadamente colocados como semelhantes a si mesmo.
"Na extrema-direita, a igualdade nasce da ideia de uma sociedade completamente uniforme. Se o povo [...] é uniforme, então a desigualdade é impossível," explicou Alexandre. "Por outro lado, nos movimentos de esquerda e no feminismo, a igualdade é pensada em termos de um conceito que compreende e destaca as diferenças para criar uma comunidade aberta. A extrema-direita acredita que as cotas de gênero são restritivas da igualdade de gênero, uma vez que eles não entendem a necessidade de especificar as diferenças. O mesmo se aplica à educação sexual nas escolas. Essa ideia de igualdade leva as escolas de pensamento ultraconservadoras a masculinizarem e heterossexualizarem uma sociedade uniforme."
E o amor desempenha um papel nesta área, defendem os dois pesquisadores. Só que esse amor é por uma mulher tradicional idealizada, ou pela figura central da família, por exemplo. A partir dessa perspectiva, as facetas mais conservadoras da política acreditam que as mulheres já atingiram seus níveis máximos de inteligência, liberdade, força e independência e, por conta disso, não precisam do feminismo.
O resultado nefasto é que o amor é usado para dividir e para construir uma parede entre os conservadores e todos os outros que não pensam como eles.
"A extrema-direita ama a família para proteger o conceito de dominação paterna, ama o país para restaurar o papel do homem como líder nacional e ama a igualdade para defender o homem contra os avanços do feminismo," concluiu Alexandre.
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