06/02/2023

Extrema-direita também fala de amor. Do seu próprio jeito.

Redação do Diário da Saúde
Extrema direita também fala de amor. Do seu próprio jeito.
Os adeptos da extrema direita usam até o amor para promover a divisão na sociedade.
[Imagem: Dariusz Sankowski/Pixabay]

Não é só ódio

A ascensão da extrema-direita nas democracias ocidentais nos últimos anos reavivou o interesse em como esses movimentos e partidos se engajam na política.

O discurso mais comum entre especialistas da imprensa e da academia destaca que essas ideologias seriam construídas fundamentalmente com base em um discurso de ódio, um ódio que é dirigido a diferentes atores em cada situação.

Mas esta não é a história toda, de acordo com os professores Alexandre Vázquez e Begonya Grau, da Universidade da Catalunha (Espanha).

Ao estudar detalhadamente o fenômeno em seu país, os dois pesquisadores constataram que a extrema-direita também faz uso do amor e de outros sentimentos positivos. A diferença é que os adeptos dessas ideologias tomam o amor a partir de uma perspectiva muito particular, baseada em conceitos estreitos de família, nação e em uma vertente de "igualdade" que leva em conta apenas os seus companheiros de crença.

"Ideologias muito conservadoras usam o amor pelo mesmo motivo que a esquerda, a direita tradicional e qualquer outro tipo de ideologia. Essa corrente política não usa o amor para esconder sua verdadeira face, que é a rejeição de quem não se identifica com seus valores. Essa tendência política ama - mas o problema é o que ela ama," explicou Alexandre.

O estranho amor da extrema-direita

Na postura de um extremista de direita, o amor é usado como ferramenta para estabelecer a diferença entre "nós" (famílias tradicionais, homens brancos e nascidos no país) e "eles", que podem ser a elite (incorporada nas classes governantes e no feminismo) ou os diferentes (famílias não tradicionais, migrantes, pobres etc). E as lideranças da extrema-direita induzem esses sentimentos em seus discursos.

Mas, segundo os pesquisadores, não se pode tecnicamente descartar esses apegos como se eles não fossem amor; é amor genuíno, mas um tipo de amor que não aceita o outro real, apenas os "outros" idealizadamente colocados como semelhantes a si mesmo.

"Na extrema-direita, a igualdade nasce da ideia de uma sociedade completamente uniforme. Se o povo [...] é uniforme, então a desigualdade é impossível," explicou Alexandre. "Por outro lado, nos movimentos de esquerda e no feminismo, a igualdade é pensada em termos de um conceito que compreende e destaca as diferenças para criar uma comunidade aberta. A extrema-direita acredita que as cotas de gênero são restritivas da igualdade de gênero, uma vez que eles não entendem a necessidade de especificar as diferenças. O mesmo se aplica à educação sexual nas escolas. Essa ideia de igualdade leva as escolas de pensamento ultraconservadoras a masculinizarem e heterossexualizarem uma sociedade uniforme."

E o amor desempenha um papel nesta área, defendem os dois pesquisadores. Só que esse amor é por uma mulher tradicional idealizada, ou pela figura central da família, por exemplo. A partir dessa perspectiva, as facetas mais conservadoras da política acreditam que as mulheres já atingiram seus níveis máximos de inteligência, liberdade, força e independência e, por conta disso, não precisam do feminismo.

O resultado nefasto é que o amor é usado para dividir e para construir uma parede entre os conservadores e todos os outros que não pensam como eles.

"A extrema-direita ama a família para proteger o conceito de dominação paterna, ama o país para restaurar o papel do homem como líder nacional e ama a igualdade para defender o homem contra os avanços do feminismo," concluiu Alexandre.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Framing Gender through Affects: Antifeminism and Love in the Spanish Far Right (Vox)
Autores: Alexandre Pichel-Vázquez, Begonya Enguix Grau
Publicação: South European Society & Politics
DOI: 10.1080/13608746.2022.2115185
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