Olhar sobre o andar
Neurocientistas da Fundação Champalimaud (Portugal) queriam estudar o sistema visual a partir de neurônios individuais.
Para isso, eles colocaram uma mosca-das-frutas em um aparato que forçava o animal a caminhar continuamente sobre uma pequena esfera, e colocaram tudo numa sala escura - totalmente escura, de forma que o animal não tivesse nenhum impulso neuronal visual.
A surpresa é que, em vez de o leitor dos neurônios mostrar uma ausência de sinal, ele apresentou um fluxo preciso em forma de onda senoidal, subindo e descendo conforme o animal caminhava.
Mas como, se não havia qualquer estímulo visual, qualquer luz, que pudesse desencadear aquela atividade nos neurônios visuais?
"Depois de termos investigado a possibilidade de estarmos perante algum tipo de interferência, descartamos essa hipótese e tivemos a certeza: Os neurônios estavam acompanhando de forma fiel os passos que o animal dava," contou a professora Eugênia Chiape.
Foram necessários alguns anos e muitos experimentos mais criteriosos, para que a equipe finalmente apresentasse sua descoberta de forma conclusiva: Existe uma rede neural bidirecional que interliga as pernas e o sistema visual, com a função de moldar o andar.
"Um dos aspectos mais notáveis da nossa descoberta é que esta rede suporta a caminhada em duas escalas de tempo diferentes simultaneamente," detalhou Eugênia. "Ao mesmo tempo que opera numa escala de tempo rápida, capaz de monitorar e corrigir cada etapa, também promove o objetivo comportamental do animal".
Conexão entre visão e andar
A descoberta deste novo circuito visuomotor fornece uma nova perspetiva sobre os mecanismos neurais do movimento.
"A visão e a ação podem parecer pouco relacionadas, mas na verdade estão intimamente associadas; basta escolher um ponto na parede e tentar colocar o dedo nele com os olhos fechados. Ainda assim, pouco se sabe sobre a base neural desta ligação," disse a pesquisadora.
A equipe seguiu a carga dos neurônios e revelou que ela se sincroniza com os passos do animal de maneira que cada movimento pode ser ajustado de forma ideal.
"Quando o pé estava no ar, o neurônio estava mais positivo, pronto para, se necessário, enviar instruções de ajuste para a região motora. Por outro lado, quando o pé estava no chão, impossibilitando ajustes, a carga era mais negativa, inibindo efetivamente o neurônio," detalhou Eugênia.
Quando a equipe analisou os resultados em maior detalhe, observou que a carga dos neurônios também muda numa escala temporal mais longa - especificamente, quando a mosca andava rápido, a carga tornava-se cada vez mais positiva.
"A atual visão de como o comportamento é gerado é muito 'de cima para baixo', isto é, o cérebro é que comanda o corpo. Mas os nossos resultados fornecem um exemplo claro de como os sinais provenientes do corpo contribuem para o controle do movimento. Embora estas descobertas tenham sido feitas no modelo animal mosca-das-frutas, especulamos que mecanismos semelhantes possam existir noutros organismos. As representações relacionadas com a velocidade são críticas durante a exploração, navegação e percepção espacial, funções comuns a muitos animais, incluindo os humanos," concluiu Eugênia.
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