Lutar, fugir ou congelar
Na pré-história, as vidas humanas eram regularmente ameaçadas por animais predadores. Os tempos mudaram, mas os circuitos cerebrais que garantiram a nossa sobrevivência ao longo dos tempos continuam bem ativos.
Segundo os cientistas, ante uma ameaça, nossa reação continua sendo similar à de qualquer animal na natureza: luta, fuga ou paralisação na esperança de passar despercebido.
"Estes comportamentos são fundamentais, mas ainda não sabemos quais são as regras do jogo: em cada situação, como é que o cérebro decide qual das três estratégias implementar e como assegura que o corpo as aplica?" contextualiza o pesquisador Ricardo Zacarias, do Centro Champalimaud, em Lisboa.
Simulando ameaças
Ricardo então decidiu estudar a questão usando moscas e um círculo escuro que vai se expandindo aos poucos, para simular uma ameaça aos insetos. Ele confirmou que mesmo esses animais, muito mais simples do que os mamíferos, também escolhem entre opções: algumas fogem, enquanto outras ficam paralisadas, mesmo em posições muito desconfortáveis.
A equipe então decidiu olhar mais de perto o que desencadeava estas respostas diferentes recorrendo a um software de visão artificial e uma câmera de alta velocidade, o que produziu uma descrição pormenorizada do comportamento de cada mosca.
Com esta informação, eles descobriram uma coisa surpreendente: as reações das moscas dependem da sua velocidade de locomoção no momento em que surge a ameaça. Se a mosca estivesse andando devagar, ela paralisava; mas se estivesse andando depressa, ela fugia da ameaça.
Neurônios da ameaça
Estas observações abriram o caminho para identificação dos neurônios que determinam se a mosca iria fugir ou paralisar. Utilizando ferramentas genéticas avançadas, a equipe descobriu que uma única dupla de neurônios é importante para os comportamentos defensivos das moscas. "Foi bastante incrível. Existem centenas de milhares de neurônios no cérebro da mosca e, entre todos eles, descobrimos que a paralisação era controlada por dois neurônios idênticos, um de cada lado do cérebro," explicou a professora Maria Luísa Vasconcelos.
Quando os cientistas desativaram esses neurônios, as moscas deixaram de paralisar, mas continuaram a fugir da ameaça. Ainda mais notável foi o que aconteceu quando esses neurônios foram ativados na ausência de qualquer ameaça: as moscas paralisavam de uma maneira que dependia da sua velocidade de locomoção. "Se ativássemos os neurônios quando a mosca andava devagar, ela paralisava, mas isso não acontecia se estivesse andando depressa. Este resultado coloca estes neurônios diretamente na entrada do circuito de escolha!" detalha Ricardo.
"É exatamente o que procurávamos: como o cérebro decide entre estratégias concorrentes. Mais ainda, estes neurônios são do tipo que envia comandos motores do cérebro para a estrutura equivalente à medula espinhal da mosca. O que significa que eles poderão estar envolvidos não apenas na escolha, mas também na execução do comportamento," acrescentou a professora Marta Moita.
Segundo a equipe, esta série de descobertas inaugura uma área totalmente nova de investigações em neurociências. "Podemos agora estudar diretamente como o cérebro faz escolhas entre estratégias defensivas muito diferentes," disse Marta. "E como os comportamentos defensivos são comuns a todos os animais, as nossas descobertas fornecem um bom ponto de partida para conseguir identificar as 'regras do jogo' que definem a forma como os animais escolhem defender-se."
Os resultados foram publicados na revista Nature Communications.
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