06/09/2022

Cientistas contestam teoria sobre o surgimento das primeiras células complexas

Redação do Diário da Saúde
Cientistas contestam teoria sobre o surgimento das primeiras células complexas
A ciência hoje acredita que a transição das células simples para as células complexas foi um evento dramático e único.
[Imagem: Arizona State University]

Evolução celular

A ciência nos diz que, após o surgimento da vida celular na Terra, cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, células simples, sem núcleo ou outras estruturas internas complicadas, dominaram o planeta.

A matéria permaneceria praticamente inalterada em termos de desenvolvimento evolutivo nessas chamadas células procarióticas - as bactérias e arqueias - por mais um bilhão e meio de anos.

Então, algo notável e sem precedentes aconteceu: Um novo tipo de célula, conhecidas como eucariotas ou eucariontes, surgiu. As células eucariontes desenvolveriam então muitos módulos internos complexos, as organelas, incluindo o retículo endoplasmático, o aparelho de Golgi e as mitocôndrias, formando diversos tipos de células - precursoras de toda a vida vegetal e animal subsequente na Terra.

Todas as espécies de plantas e animais viventes hoje têm suas origens no último ancestral comum eucariótico, conhecido como LECA, sigla em inglês para último ancestral comum eucariótico (Last Eukaryotic Common Ancestor) - há também o LUCA, sigla em inglês para último ancestral universal ou último ancestral comum.

Mas como essa transição crucial aconteceu - a transição de procarionte para eucarionte - continua sendo um mistério central na biologia.

Como cientistas gostam de estudar mistérios, Paul Schavemaker (Universidade Estadual do Arizona, nos EUA) e Sergio Muñoz-Gómez (Universidade Paris-Saclay, na França) resolveram dar uma nova olhada no quebra-cabeça da emergência eucariótica.

E o que eles descobriram contesta todo aquele consenso científico acima, descrito em todos os livros de biologia e evolução.

Cientistas contestam teoria sobre o surgimento das primeiras células complexas
As mitocôndrias, as usinas de energia das células, estão no cerne da questão envolvendo a evolução das células simples para as células complexas.
[Imagem: Jason Drees]

O que a ciência diz hoje

Os pesquisadores exploraram em detalhes os requisitos de energia das células eucarióticas, que são em média maiores e mais complexas em comparação com as procariontes. Seus resultados quantitativos se opõem ao que eles chamam de "dogma reinante", apresentado pela primeira vez pelos biólogos Nick Lane e Bill Martin.

A ideia básica de Lane e Martin é que o desenvolvimento de uma célula é governado por seu suprimento de energia. As procariontes simples são em sua maioria pequenas e consistem em células únicas ou pequenas colônias, e podem subsistir com reservas de energia mais limitadas para alimentar suas atividades.

Mas, uma vez que uma célula atinge tamanho e complexidade suficientes, ela eventualmente atinge uma barreira além da qual esses procariontes não podem passar. Ou, pelo menos, assim diz a teoria.

De acordo com essa ideia - que a equipe agora chama de "dogma" - um evento singular na história da Terra deu origem repentina às células eucariontes, que então cresceram e se diversificaram para ocupar todos os nichos ecológicos do planeta, de fontes submarinas à tundra ártica. Essa vasta diversificação ocorreu quando uma célula procariótica de vida livre capturou outro organismo minúsculo dentro dos limites de seu interior.

Por meio de um processo conhecido como endossimbiose, a nova célula residente é absorvida por essa proto-eucarionte, fornecendo-lhe energia adicional e possibilitando sua transformação. O endossimbionte que foi capturado acabaria se desenvolvendo em mitocôndrias - usinas celulares encontradas apenas em células eucarióticas.

Como toda a vida complexa hoje pode ser atribuída a um único ramo eucariótico da árvore evolutiva, assumiu-se que esse evento endossimbiótico casual, a aquisição de mitocôndrias, ocorreu uma vez, e apenas uma vez, durante toda a história da vida na Terra. Esse acidente da natureza é o motivo de estarmos todos aqui - sem as mitocôndrias, o maior volume e complexidade dos eucariontes não seriam energeticamente viáveis.

É aí que os pesquisadores estendem a mão espalmada para a teoria atual: "Não tão rápido," afirmam os autores do novo estudo.

O que a ciência provavelmente dirá amanhã

Schavemaker observa que, embora a distinção entre procariontes e eucariontes entre os organismos que vivem hoje seja óbvia, as coisas eram mais nebulosas durante a fase de transição. Eventualmente, todos os traços comuns dos eucariontes existentes seriam adquiridos, produzindo um organismo que os pesquisadores chamam de LECA, ou o último ancestral comum eucariótico.

Mas, ao estudar o advento dos primeiros eucariontes, a equipe observou que, em vez de uma linha de fronteira rígida separando os eucariontes de seus ancestrais procariontes, a imagem que emerge é mais confusa. Em vez de um abismo intransponível entre procariontes e eucariontes em termos de complexidade interna do volume celular e número de genes, as duas formas celulares desfrutaram de uma sobreposição considerável.

Acontece que as células podem crescer até um volume considerável e adquirir pelo menos algumas das características das células complexas, mantendo-se primariamente de caráter procariótico e sem a presença de mitocôndrias.

Os pesquisadores examinaram como os requisitos respiratórios de uma célula, medidos pelo número de moléculas de ATP sintase disponíveis para fornecer energia de ATP para o crescimento e manutenção das células, se ajustam ao volume de uma célula, e também como os requisitos de energia aumentam com a área de superfície da célula.

"Na verdade, analisamos a área da superfície da célula e descobrimos que o número de ATP sintases aumenta mais rapidamente do que a membrana celular," detalhou Schavemaker. "Isso significa que, em algum ponto no aumento do tamanho da célula, haverá um limite de volume, onde as ATP sintases não poderão fornecer ATP suficiente para a célula se dividir a uma determinada velocidade."

As células eucariontes superaram essa barreira graças à área de superfície respiratória adicional fornecida por estruturas internas ligadas à membrana, como as mitocôndrias.

Curiosamente, esse limite de volume celular não ocorre no limite de procariontes e eucariontes, como a teoria anterior poderia prever. Em vez disso, ele "ocorre em volumes celulares muito maiores, em torno de 103 micrômetros cúbicos, o que engloba muitos eucariontes existentes hoje. E foi isso que nos fez pensar que as mitocôndrias provavelmente não eram absolutamente necessárias. Elas podem ter ajudado, mas não eram essenciais para essa transição para volumes maiores," concluiu Schavemaker.

Checagem com artigo científico:

Artigo: The role of mitochondrial energetics in the origin and diversification of eukaryotes
Autores: Paul E. Schavemaker, Sergio A. Muñoz-Gómez
Publicação: Nature Ecology & Evolution
DOI: 10.1038/s41559-022-01833-9
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