Atendimento pós-covid
Ainda com filas de espera e pacientes perdendo a vida antes de terem acesso à UTI, pesquisadores agora alertam que, mesmo para aqueles que se curam, nem sempre a alta hospitalar é o fim dos problemas causados pela covid-19.
No mundo todo, profissionais de saúde observam uma série de complicações decorrentes da doença, que vão de manifestações dermatológicas a distúrbios cardíacos, que podem surgir meses após resolvido o quadro agudo da infecção pelo SARS-CoV-2.
Curiosamente, esta pode não ser uma situação específica do vírus causador da pandemia, podendo ocorrer também em outras doenças virais - só que médicos e cientistas ainda não haviam se dado conta disto.
Mas, centrando no caso mais premente no momento, para que a carga da pandemia não se torne ainda maior para o sistema de saúde do país, a recomendação de especialistas reunidos pela Academia Nacional de Medicina (ANM) é pela criação de protocolos clínicos e unidades para tratamento de pacientes com a chamada síndrome pós-covid.
"Temos observado que o doente se cura da covid-19, sai da UTI [Unidade de Terapia Intensiva], mas permanece no hospital, pois não consegue voltar para casa. Ele precisa de reabilitação. Por isso, temos de pensar num modelo que passei a chamar de unidade pós-covid, onde teríamos atendimento ambulatorial, hospital-dia e algumas áreas para internação daqueles pacientes que não têm condição [de ter alta]," disse o Dr. Fábio Jatene, diretor-geral do Instituto do Coração (InCor) e professor da Faculdade de Medicina da USP.
Complicações cardiovasculares da covid
O professor Jatene explicou especificamente sobre a ocorrência de problemas cardiovasculares decorrentes da covid-19, que não necessariamente ocorrem apenas em pacientes com histórico prévio de doença cardíaca.
"A literatura tem várias observações a respeito de pessoas absolutamente sem doença cardiovascular e que acabaram desenvolvendo no pós-covid. Inclusive atletas universitários, pessoas sem risco cardiovascular. Estudos revelaram que 55% dos pacientes no pós-covid apresentaram alterações no bombeamento cardíaco.
"Num estudo realizado na Alemanha, 78% dos pacientes diagnosticados com covid-19 mostraram evidência de alguma lesão cardíaca, causada até semanas depois da recuperação da doença propriamente dita," explicou o pesquisador.
Problemas persistentes
Os vários palestrantes relataram casos e apresentaram estudos realizados no Brasil e no exterior das mais variadas manifestações ocorridas após a resolução da fase aguda da covid-19.
Alterações gastrointestinais, pulmonares, do fígado e das vias biliares; diferentes manifestações dermatológicas, renais e otorrinolaringológicas; problemas psicológicos e até da retina já foram relatados na literatura médica.
O professor Carlos Alberto Barros Franco, da PUC do Rio de Janeiro, reconheceu que o Brasil ainda está na fase final da pandemia e que a preocupação mais urgente é conter a transmissão do vírus.
Mas ele também ressaltou que os problemas decorrentes da covid-19 vão persistir por muito tempo.
"Essa é uma preocupação de países europeus e norte-americanos, que vêm se preparando para essa segunda fase, a da síndrome pós-covid ou covid longa. Isso terá consequências da maior gravidade no Brasil. Haverá pessoas que não vão poder voltar a trabalhar normalmente. Então é fundamental que o Brasil se prepare," disse Franco.
Consequências de outros vírus
Já para Rubens Belfort Jr., professor Universidade Federal de São Paulo, a síndrome pós-covid é uma amostra do papel das doenças infecciosas no desenvolvimento de outras moléstias.
Segundo o médico, a pandemia está trazendo novos conhecimentos sobre essa relação. Um exemplo anterior é a zika que, embora não cause problemas graves em adultos, pode levar à microcefalia nos fetos em desenvolvimento. Outro é a toxoplasmose, recentemente relacionada à ocorrência de esquizofrenia.
"O problema vai muito além da covid-19. Quem poderia imaginar que tantas alterações aparentemente não relacionadas a doenças infecciosas decorrem delas? Com toda certeza, muitas outras doenças virais podem causar manifestações tardias, mas a medicina ainda as desconhece," disse Belfort.
Covid e câncer
Como um dos efeitos colaterais da pandemia, não necessariamente ligados à doença em si, pesquisadores apontaram uma redução significativa no número de diagnósticos e tratamentos de câncer - a pandemia trouxe queda significativa nos exames preventivos e, consequentemente, no diagnóstico precoce de tumores.
Uma vez que quanto mais cedo ocorre o diagnóstico, maiores são as chances de cura, a pandemia deverá trazer um número maior de ocorrência de câncer e de mortes no futuro. Estudo realizado na Inglaterra estimou quase 18 mil mortes a mais por câncer naquele país por conta da interrupção dos tratamentos ou pela falta de diagnóstico.
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