18/02/2020

Vigiar e esperar é melhor que cirurgia em muitos cânceres retais

Redação do Diário da Saúde

Vigilância ativa

Pacientes com câncer retal "baixo" - isto é, muito próximo do ânus - e que não apresentam qualquer sinal do tumor após um tratamento com radioterapia e quimioterapia, podem escolher, com segurança, adiar intervenções cirúrgicas invasivas e sujeitas a complicações.

Esta é a conclusão de uma equipe de médicos e cientistas do Centro Clínico Champalimaud (Portugal) e do Instituto do Câncer dos Países Baixos.

A equipe recomenda uma vigilância estrita e rigorosa do estado tumoral durante pelo menos dois anos. A estratégia, conhecida como vigilância ativa, ou "vigiar e esperar", pode ainda permitir que a maioria dos pacientes (cerca de dois terços), que não apresentam qualquer sinal de reaparecimento do tumor findos esses dois anos, evitem totalmente a cirurgia.

E as notícias também são boas para os demais pacientes (cerca de um terço) em que o tumor reaparece nos primeiros anos: Na esmagadora maioria dos casos - 97% - apenas será necessário realizar a cirurgia inicialmente planejada, e o desfecho será o mesmo que se a intervenção cirúrgica tivesse sido realizada logo após a radio-quimioterapia.

Ou seja, o fato de adiar a cirurgia e vigiar o doente não representa qualquer perda de tempo precioso.

A cirurgia continua a ser, ainda hoje, o protocolo terapêutico clássico de primeira linha dos cânceres retais - que representam cerca de 30% da totalidade dos cânceres colorretais.

Contudo, nos casos em que a localização do tumor no reto é particularmente complicada, é necessário submeter o doente a um tratamento de radio-quimioterapia antes da cirurgia porque, nestes casos, é crucial reduzir o tamanho do tumor, que pode estar invadindo as estruturas da parede pélvica ou mesmo outros órgãos.

Cirurgia desnecessária?

A pioneira da estratégia da vigilância ativa para o câncer retal foi a cirurgiã Angelita Habr-Gama, da Universidade de São Paulo, há cerca de 20 anos.

Angelita observou que, quando os doentes com câncer retal baixo eram irradiados de forma a poder ser realizada a cirurgia (dada a proximidade do tumor ao ânus) o resultado histológico da peça operatória (biópsia) removida durante a cirurgia não apresentava qualquer vestígio de células tumorais. A médica perguntou-se então se a cirurgia, com o seu elevado número de potenciais complicações e o seu impacto permanente na qualidade de vida dos doentes, tinha realmente sido necessária nestes casos.

Em meados dos anos 2000, Geerard Beets e a sua equipe nos Países Baixos começaram a propor um protocolo semelhante a todos os doentes elegíveis. Em 2013, o Centro Clínico Champalimaud e a Universidade de Manchester, no Reino Unido, foram das primeiras instituições no mundo a seguir o exemplo. "Hoje em dia, 53 centros em todo o mundo estão utilizando o mesmo protocolo de 'Vigiar e Esperar'. E, em 2013, criamos a Base de Dados Internacional de Vigiar e Esperar para coligir todos os dados gerados por esses centros," disse Nuno Figueiredo, do Centro Champalimaud.

O novo protocolo consiste em realizar, oito a dez semanas após o fim da radio-quimioterapia, uma série de testes de diagnóstico antes de decidir se é preciso avançar logo com a cirurgia. "Utilizamos observações clínicas e radiológicas para decidir se a cirurgia é ou não necessária", diz Figueiredo. "Realizamos três exames: um toque retal, uma endoscopia e uma ressonância magnética."

Se a resposta do doente for "completa" - isto é, se o tumor não for detectável em nenhum desses exames - o doente tem então a possibilidade de integrar o protocolo de Vigiar e Esperar. "Cem por cento dos nossos doentes elegíveis no Centro Champalimaud escolheram esta opção," salienta Figueiredo.

Decisão informada

Antes de tomarem a decisão, é explicado aos doentes que, se em qualquer altura ao longo dos 24 meses seguintes, houver qualquer sinal de reaparecimento do tumor (a palavra usada é "recrescimento"), isso implicará uma cirurgia imediata para remover o tumor - a mesma cirurgia que fora inicialmente programada.

A diferença é que, se o câncer não reaparecer durante esses 24 primeiros meses, o doente passará a ser examinado no mínimo de seis em seis meses durante mais três anos. Findo este período, se ainda não houver recrescimento, os exames passarão a ser anuais.

As críticas ao protocolo têm visado, em particular, a possibilidade de o diferimento permitir que o câncer se torne, senão metastático, pelo menos incontrolável e inoperável. É precisamente esse diferimento que esta equipa de investigadores mostrou agora ser seguro em 97% dos casos de recrescimento tumoral.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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