13/10/2010

Mineiros resgatados terão dificuldades de se readaptar à vida normal

BBC

Da euforia à depressão

Primeiro vem a euforia - o grande alívio, a emoção de reencontrar a família, a comemoração de um resgate bem-sucedido.

Depois da festa, porém, os 33 mineiros resgatados na mina de San José, no norte do Chile, terão de enfrentar o retorno à vida diária, que terá inevitavelmente mudado para sempre.

Por mais de dois meses, os homens viveram no subsolo a quase 700 metros de profundidade, no interior da mina. Os primeiros chegaram à superfície após uma tensa viagem de 20 minutos dentro de uma minúscula cápsula, e se depararam com a emoção das famílias e os olhos da mídia.

Internalização

Psicólogos dizem que internalizar a experiência será um desafio. Alguns podem sofrer estresse pós-traumático na tentativa de se reajustar à vida comum.

Para o professor de psicologia da University College London, James Thompson, "o puro alívio e a alegria de sair deve tomá-los pelas próximas semanas".

Depois disso, ele alerta, podem chegar a depressão e outros sintomas.

"Pode ser que as lembranças do evento ainda causem insônia, pode ser que o sono seja problemático, pode ser que eles se peguem pensando no acontecimento muito, muito frequentemente", afirma Thompson.

"Certas coisas vão desencadear as lembranças do evento - sensações, cheiros, o cheiro da terra ou o ruído da broca. Eles ficarão surpresos ao descobrir que, mesmo tendo saído de dentro da mina, ainda se sentirão fisicamente nela."

Para o psicólogo, "se eles tiverem tido uma forte impressão de que morreriam, haverá uma enorme tensão emocional".

Traumas graves

Cerca de um terço das pessoas que passam por traumas graves manifestam efeitos psicológicos. Mas entre os profissionais que trabalham em situações de emergência essa proporção cai para 5%.

Thompson crê que, como os mineiros já são acostumados a situações difíceis, a proporção dos que devem passar por dificuldades no futuro deve ficar entre essas duas.

Se os homens têm-se mostrado alegres e joviais em frente às câmeras, a intensidade da experiência transparece nas cartas que eles escreveram para as suas famílias.

"Este inferno está me matando", escreveu o eletricista de 48 anos Victor Segovia. "Tento ser forte mas, quando durmo, de repente sonho que estou em um forno, e quando acordo me encontro nesta escuridão eterna."

Solidariedade entre os mineiros

Mas psicólogos apontam que a solidariedade entre os mineiros, que tiveram de se unir pela própria sobrevivência, deve ajudar a recuperação.

"Muitas pessoas superam as adversidades que vivenciam quando compartilham essa experiência", diz o psiquiatra, Christopher Findlay. O especialista em trauma crê que o tempo passado no subterrâneo pode ter sido útil para processar parte da experiência.

"Alguns deles podem ter passado por um período de choque inicial, o que significaria uma reação retardada. Mas eles podem já ter começado a se recuperar", acredita Findlay.

O especialista afirma que a recuperação dependerá da existência ou não de problemas mentais anteriores, talvez experiências traumáticas da infância ou incidentes de trabalho anteriores que pudessem retornar por causa do estresse.

"É quando se chega a um porto seguro que as memórias são ativadas", disse o psiquiatra. "Se eles já tiverem dificuldades na sua rede de apoio, as suas relações com outros podem estar ameaçados. Há muitas questões neste processo de integração."

Compartilhar experiências

Para James Thompson, as famílias devem aprender a lidar com as suas expectativas. "As famílias tendem a idealizar o que vem por aí. E é preciso aprender a conviver com o que vai acontecer", ele afirma.

A psicóloga Iya Whiteley, que trabalhou com astronautas e militares, diz que é importante prestar apoio aos trabalhadores, mas igualmente crucial não sobrecarregá-los.

"Eles precisam ser respeitados. Se eles não quiserem ser entrevistados, deveríamos deixá-los em paz com as suas famílias e as suas vidas", disse.

O australiano Brant Webb, resgatado dramaticamente após duas semanas de uma mina que havia desmoronado em 2006, contou à BBC que teve dificuldades de voltar à vida normal após o incidente.

"Até hoje não consigo ver um pássaro numa gaiola. Se vir, quero libertá-lo. Os efeitos posteriores de ficar soterrado são o pior momento. Você volta ao incidente o tempo todo", afirmou.

"Esses homens que ficaram soterrados nunca mais serão os mesmos."

Anonimato

Tendo permanecido em algo semelhante a um reality show, não será fácil para os mineiros retornar ao seu cotidiano.

Querendo ou não, a fama caiu sobre esses homens. À medida que eles retornam à superfície, cerca de 2 mil jornalistas se acotovelam para tentar achar um furo de reportagem.

Os méritos do seu status de celebridade já aparecem: o fato de que eles estão recebendo óculos Oakley especiais para evitar os danos causados pelo contato com a luz abre uma gama de negócios possíveis a partir desse aval.

Os trabalhadores que recebiam cerca de US$ 1 mil de salário mensal se veem diante de ofertas tentadoras da mídia e do mercado editorial, sem contar as ofertas de trabalho em si.

Ao sair, o segundo dos mineiros, Mário Sepúlveda, tocou no cerne dessa questão, afirmando que não quer ser tratado de forma diferente após o incidente.

"Não quero que me tratem como artista ou como animador, mas como o Mário Sepúlveda mineiro. Nasci para morrer no batente", afirmou.

Readaptação

Há relatos de que os mineiros concordaram legalmente em compartilhar de maneira igualitária os frutos de sua história.

Mas isto não exclui a possibilidade de alguns acabarem ganhando mais do que outros, e os laços terminarem estremecidos dentro de alguns anos.

O dr. Thompson sublinha que os homens viveram dois meses em uma espécie de bolha, acostumados a uma alimentação regulada, exercícios rotineiros e turnos padrões.

"Eles terão de passar por uma descompressão para voltar a tocar sua própria vida", afirmou o psicólogo.

Os trabalhadores receberão atenção psicológica logo após a chegada à superfície e terão a opção de continuar receber esse apoio pelos próximos seis, se quiserem.

Entretanto, o dr. Findlay crê que "a parte mais importante da readaptação será informal, dialogando com os colegas e a família".

"A maioria das pessoas deve se recuperar de forma natural."

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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