17/04/2012

Guerra às drogas produziu crise de segurança internacional

Bruno Garcez - BBC

Revezes da guerra

A chamada guerra às drogas está tendo um efeito quase que inverso ao que visa obter, gerando uma "ameaça significativa à segurança internacional, que não parece estar diminuindo".

É essa a opinião de Nigel Inkster, diretor da divisão de Ameaças Transnacionais e Riscos Políticos do instituto de pesquisas britânico International Institute for Strategic Studies (IISS), de Londres e ex-diretor do Serviço Secreto Britânico.

A tese consta em seu recém-lançado livro Drogas, Inseguranças e Estados Falidos - Os Problemas da Proibição, ainda não editado no Brasil, coescrito com Virginia Comolli, pesquisadora do IISS.

O livro examina a política global comum no combate às drogas, baseada na proibição do uso e repressão ao tráfico e conclui que ela fracassou em coibir a produção, tráfico e consumo de drogas ilegais.

Os autores dizem que, ao contrário, essa política acabou resultando em altos níveis de violência em vários países - em especial nos que produzem ou funcionam como rota de tráfico.

Segundo Inkster, "a proibição fracassou em tentar reduzir o consumo global e inadvertidamente deu de presente um negócio multibilionário a organizações criminosas, insurgentes e paramilitares. A chamada guerra às drogas criou uma ameaça significativa à segurança internacional e também criou a necessidade de um novo debate sobre o assunto baseado em provas empíricas".

Sadismo e medo

No livro, ele mostra que a América Latina foi uma das regiões mais castigadas pelos efeitos do narcotráfico e por tentativas de combatê-lo.

Ele expõe efeitos nefastos em países produtores, como a Colômbia, mas afirma que os mais atingidos foram os países que servem de rota para a droga rumo aos Estados Unidos, como o México e as nações centro-americanas.

Segundo estimativas contidas no livro, o tráfico de drogas no México já matou mais de 47 mil pessoas entre dezembro de 2006 e dezembro de 2011 e traficantes, fim de semear o medo, empregam práticas cada vez mais brutais, como o esfolamento, decapitação e queimar vítimas com ácido.

Os traficantes também foram expandindo seus negócios para países vizinhos, a exemplo do tradicional cartel de Sinaloa, que hoje conta com células na Nicarágua, Guatemala, El Salvador e Estados Unidos.

Em entrevista à BBC Brasil, Inkster disse que, na América Central, o tráfico "encontrou o ambiente de negócios ideal", composto por "burocracias corruptas, governança fraca, sistemas judiciais ineficientes, armamentos em abundância, locação estratégica e forte desigualdade social".

Além da expansão territorial,os cartéis ganharam sofisticação em seus métodos de ação e se tornaram arrojados até ao recrutar novos integrantes, vide um cartel rival ao de Sinaloa, o Cartel do Golfo que, em 2000, ganhou a adesão de um grupo de ex-combatentes de uma força de elite de 30 a 40 soldados do Exército mexicano, conhecida como Os Zetas.

Sinais animadores

Mas apesar de considerar a política global de repressão às drogas equivocada, Inkster defende que o governo mexicano não pode recuar em sua ação enérgica contra o narcotráfico no país. "O Estado mexicano não pode se deixar ser derrotado. Ele precisa reduzir o poder dos cartéis, a fim de que eles não possam mais representar uma ameaça ao Estado, como a Colômbia conseguiu fazer".

Inkster diz que desde que, no início dos anos 60, quando o governo do então presidente americano Richard Nixon cunhou o termo "guerra às drogas" e a comunidade internacional referendou o tratado Convenção Única sobre Entorpecentes, em 1961, o modelo adotado de combate às drogas é o mesmo.

Por isso, ele considera salutares os sinais vindos da América Latina e da recém-encerrada Cúpula das Américas, com líderes e ex-líderes regionais defendendo a necessidade de se discutir outras saídas como descriminalização e até a legalização de drogas como possíveis opções para lidar com o problema.

O tema se tornou um dos tópicos centrais da Cúpula na Colômbia, que reuniu mais de 30 chefes de Estado de todo o continente americano.

Antes da reunião, líderes regionais como o presidente da Guatemala, Otto Perez Molina, um general aposentado, vinham defendendo abertamente a descriminalização das drogas.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - que por sinal assina um texto elogioso na contracapa do livro de Inkster e Comolli - e outros ex-dirigentes da região, como o colombiano César Gavíria e o mexicano Ernesto Zedillo, estão entre os que advogam a descriminalização.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se disse contrário à descriminalização, mas acrescentou que aceitaria um amplo debate sobre o atual modelo e sobre propostas alternativas.

"Talvez seja uma resposta menos empolgante do que o momento exige, mas representa um progresso em pleno ano de eleição nos Estados Unidos", afirma o analista do IISS. Ele acrescenta que o fato de tanto dirigentes no poder como ex-presidentes da América Latina estarem defendendo novos modelos sobre o tema "sem dúvida, não tem precedentes".

Mas acrescenta que não será fácil "ir contra o status quo, representado pelos Estados Unidos, mas não apenas por eles, mas também por países como a China e a Rússia, que não aceitam outros modelos que sejam distintos do atual".

Drogas no Brasil

O Brasil não foi um dos países pesquisados no livro, mas Inkster adverte contra o triunfalismo ao se analisar o papel das chamadas UPPs em favelas do Rio de Janeiro outrora controladas pelo tráfico de drogas.

"A afirmação de que o tráfico foi eliminado no Rio deve ser vista com certa dose de ceticismo. Ainda é cedo para avaliar práticas que passaram a vigorar há pouco tempo", comenta.

Inkster não "fecha" com uma proposta específica em relação ao combate ao narcotráfico e explica as distinções entre os diferentes modelos.

"Existe uma grande diferença entre descriminalização e legalização. A descriminalização consiste em gerenciamento, de como tratar as drogas não como um assunto criminal, mas sim de saúde."

"Já a legalização pura e simples poderia, em teoria, provocar o colapso ou a erosão do mercado negro internacional, mas chegar a esse ponto seria muito complicado politicamente e contencioso. E seguramente, exigiria investimentos. E a legalização teria de ser aplicada globalmente ou então não teria efeito."

A despeito de antever fortes dificuldades em se alcançar um novo modelo, Inkster defende uma mudança de paradigmas.

"É preciso que haja ao menos um equilíbrio entre os recursos investidos em reduzir a oferta e em conter a demanda. Atualmente, o investimento em diminuir a oferta ainda é bem maior", afirma.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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