22/09/2008

Doenças neuromusculares agora podem ser estudadas em simulador

Thiago Romero - Agência Fapesp
Deonças neuromusculares agora podem ser estudadas em simulador
[Imagem: Instituto John B. Pierce]

Simulador do sistema neuromuscular

Cientistas de todo o mundo envolvidos em estudos fisiológicos acabam de ganhar um simulador do sistema neuromuscular humano. A ferramenta foi desenvolvida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e está disponível gratuitamente na internet.

A novidade simula etapas fundamentais do processo de ativação dos músculos, desde os comandos cerebrais que ativam a medula espinhal até o envio desses sinais para a musculatura. O projeto foi desenvolvido como trabalho de doutorado por Rogério Cisi, orientado por André Fabio Kohn, professor do Laboratório de Engenharia Biomédica.

"É o primeiro simulador do sistema neuromuscular implementado em arquitetura web no mundo. Isso significa que usuários das mais variadas regiões do planeta poderão usá-lo, sem a necessidade de realizar download de outros programas ou de escrever linhas de comando ou de programação", disse Kohn à Agência FAPESP.

Denominado ReMoto, o projeto teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa (para a aquisição de dois servidores) e Bolsa de Doutorado e está disponível em http://remoto.leb.usp.br/remoto/index.htm.

Doenças do sistema nervoso e musculatura

A ferramenta está voltada a pesquisadores que estudam, por exemplo, doenças que afetam o sistema nervoso e a musculatura. "O simulador representa medidas não invasivas realizadas em laboratório ou na clínica. A ferramenta permite analisar as causas neuronais e sinápticas que geraram uma dada atividade elétrica ou mecânica, incluindo a avaliação de reflexos medulares em função da atividade de todos os neurônios da medula espinhal e de todas as fibras musculares envolvidas nesse processo", explicou Kohn.

Devido à complexidade do sistema neuromuscular humano, no entanto, o uso do simulador em sua plena potencialidade exige conhecimentos específicos de neurofisiologia pelos usuários, que podem inclusive modificar os parâmetros de simulação do sistema para o estudo de diferentes tipos de doenças.

"O ReMoto é uma poderosa ferramenta para testes de hipóteses. O pesquisador deve impor valores de parâmetros apropriados para a patologia em estudo, com base em conhecimentos obtidos de experimentos laboratoriais", indicou.

Neurociência experimental

Segundo o professor da Escola Politécnica, em geral, durante pesquisas na área, chega-se a um ponto em que o conhecimento sobre como se comporta uma dada estrutura neuromuscular no contexto patológico deve ser obtido por meio do levantamento de hipóteses. O simulador pode, nesse caso, ser utilizado dentro das premissas de cada uma dessas hipóteses e seus resultados comparados com dados experimentais de pacientes.

"A idéia é que da comparação de resultados da simulação e resultados experimentais seja possível eliminar várias das hipóteses, quem sabe sobrando uma única. Por isso, o simulador é também de grande valia para pesquisadores em neurociência experimental e neurociência computacional que estudam neurônios únicos e isolados, bem como para aqueles que estudam como as redes desses neurônios funcionam", disse.

Comandos cerebrais

Neurocientistas, engenheiros biomédicos e vários outros especialistas que estudam o sistema neuromuscular ainda têm uma série de questões a serem solucionadas sobre o seu funcionamento. "Entre elas está a descoberta de como é controlada a força muscular por parte do sistema nervoso em termos das atividades dos neurônios da medula, como se modifica o sinal elétrico gerado pelo músculo em diferentes condições de ativação pelo cérebro e qual o papel de alguns interneurônios da medula espinhal no controle da força muscular", explicou.

Motoneurônios

Para ajudar a responder a essas perguntas, o ReMoto pode representar as etapas do processo de ativação dos músculos, em especial os comandos cerebrais que são mimetizados por atividades elétricas de disparos neuronais que chegam à medula e ativam os motoneurônios.

"Os motoneurônios são os neurônios que controlam diretamente as fibras musculares. Na medula há vários tipos de interneurônios, que fazem sinapses (conexões individuais) sobre os motoneurônios e afetam como estes irão responder tanto aos comandos cerebrais como aos fluxos de informação provenientes de nervos que ficam em um dado membro, como a perna", explicou Kohn.

A atividade de cada motoneurônio se propaga por meio de um nervo até as fibras musculares, gerando uma breve contração. "A somatória dessas breves contrações em todos os grupos de fibras resultará na força muscular total", disse Kohn, ressaltando que a atividade elétrica gerada pelas fibras musculares pode ser simulada pelo ReMoto como se fosse captada por eletrodos afixados à pele sobre o músculo em estudo.

Audiência ampla

O simulador poderá ser utilizado, entre outras aplicações, para avaliar os efeitos de perdas de unidades motoras na medula espinhal ou para verificar a diminuição do seu controle pelos comandos cerebrais, além de ajudar a identificar algumas das possíveis causas de tremores dos músculos identificados especialmente na clínica neurológica.

Antes de lançá-lo no Brasil, Kohn apresentou recentemente duas palestras sobre o ReMoto no exterior, uma no Laboratório de Engenharia do Sistema Neuromuscular da Politécnica de Turim, na Itália, e outra no Instituto de Neurologia, Queen Square, em Londres.

As platéias nos dois locais foram bastante distintas. No primeiro, a maioria do público era composta por engenheiros biomédicos especialistas no sistema neuromuscular, com ênfase na parte muscular. "A contribuição do simulador para esses profissionais está na geração dos comandos motores dirigidos às fibras musculares", explicou.

Em Londres, a maior parte dos pesquisadores era de especialistas em sistema nervoso humano (são ou patológico). "A contribuição do simulador para eles está na possibilidade de estudar como alterações nos neurônios e nas sinapses da medula, bem como alterações nos comandos cerebrais que chegam à medula, afetam o comportamento motor do ser humano", disse.

Testes de conceitos e hipóteses

Segundo Kohn, diversos grupos de pesquisa em todo o mundo investigam problemas na área apenas do ponto de vista experimental, sem ferramentas que lhes permitam testar novos conceitos e hipóteses. "Alguns grupos têm engenheiros biomédicos associados que desenvolvem programas de simulação voltados para responder a perguntas específicas."

"O uso do ReMoto via web deverá ter um primeiro impacto na investigação do comportamento do sistema neuromuscular são, uma vez que o estudo de patologias tem que ser fortemente baseado no estudo desses casos. Mas logo a ferramenta deverá ser utilizada para o estudo de patologias associadas principalmente à medula espinhal, nervos e músculos", ressaltou Kohn.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

URL:  https://diariodasaude.com.br./print.php?article=doencas-neuromusculares-agora-podem-ser-estudadas-em-simulador

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