10/07/2019 Diferentes teorias levam a diferentes terapias e tratamentosRedação do Diário da Saúde
A ciência desconhece 99% dos micróbios em nosso corpo, o que talvez explique a multiplicidade de teorias sobre o microbioma.[Imagem: 10.1073/pnas.1707009114]
Efeitos das teorias Se você acredita que teorias científicas são meras ideias sem efeito prático, é melhor rever suas definições: A maneira como cientistas e médicos se referem a um conceito pode mudar a forma do tratamento e a busca de curas e o desenvolvimento de medicamentos. Para demonstrar esse efeito inusitado, Nicolae Morar e Brendan Bohannan, da Universidade de Oregon (EUA), examinaram em detalhes as diferentes metáforas usadas pelos cientistas para descrever o microbioma humano. O microbioma humano é o complexo sistema de microrganismos no corpo que é crucial para muitas funções metabólicas e de imunidade - por exemplo, as bactérias do intestino influenciam a química cerebral e o comportamento, enquanto mais recentemente se descobriu que o microbioma intestinal regula processos cerebrais. Morar e Bohannan escolheram cinco das formas mais comuns pelas quais os cientistas pensam sobre o microbioma humano, examinando os benefícios que cada estrutura conceitual oferece ao projetar a terapêutica, bem como as limitações de cada uma. "Cada uma das estruturas conceituais comuns que descrevemos aqui captura verdades importantes - e perde aspectos cruciais - do nosso self humano-micróbio," escrevem os dois pesquisadores. "Embora não haja evidência (ainda) de que uma estrutura conceitual seja mais precisa ou mais útil, ou de alguma forma 'melhor' que outra, os insights emergem à medida que consideramos essas metáforas juntas como um todo." Microbioma como órgão A visão do microbioma como um "órgão" do corpo humano gerou algumas terapias muito específicas, nas quais as infecções do microbioma são vistas como "falência de órgãos", que podem ser remediadas com um transplante. Por exemplo, no tratamento da infecção do intestino pela bactéria Clostridium difficile, um estudo descobriu que um tratamento de antibióticos e subsequente transplante de fezes de um doador produziu uma taxa de cura muito maior do que aqueles tratados apenas com antibióticos. Mas, enquanto essa visão como órgão captura as contribuições funcionais importantes que os micróbios fazem à fisiologia humana, ela deturpa o fato de que sua composição não é estática, estando sempre mudando. Os autores escrevem que "os órgãos tendem a não mudar substancialmente ao longo do tempo... No entanto, há amplas evidências de que alterações da microbiota ao longo do tempo podem estar associadas a mudanças significativas na função do organismo". Microbioma como parte do sistema imunológico A visão "sistema imunológico" vê o microbioma humano como um componente do sistema imunológico, enfatizando a importância de como o microbioma é adquirido cedo na vida e o papel que essa aquisição pode desempenhar no desenvolvimento do sistema imunológico, estimulando-o, desenvolvendo-o e treinando-o. Essa visão é importante quando se consideram as implicações, por exemplo, do parto vaginal versus cesárea. Foi observado que os bebês nascidos pelo parto normal têm um microbioma mais diversificado, o que poderia levar a um sistema imunológico mais robusto. As terapias em que o canal vaginal de uma mãe é esfregado e transferido para a boca e pele de um recém-nascido é uma das terapias que surge dessa visão conceitual. Contudo, em última análise, a visão sistema imunológico do microbioma humano é incompleta porque não leva em conta todos os serviços metabólicos que recebemos do nosso microbioma, nem considera a complexidade das interações micróbio-hospedeiro. As bactérias comensais, ou bactérias benéficas, variam de indivíduo para indivíduo, ou seja, cada pessoa tem seu próprio time de bactérias saudáveis. [Imagem: Nair/Abt/Artis/UPenn] Microbioma como superorganismo A visão "superorganismo" concentra-se nos mecanismos coevolvidos e cooperativos em jogo no sistema humano-micróbio. Sob este arcabouço teórico, assume-se que há um risco à saúde em permitir que nichos que antes eram ocupados por bactérias permaneçam vazios, e a ênfase é colocada na ideia de que a restauração do microbioma humano ancestral ajudará a tratar muitos distúrbios. Isso é relevante, por exemplo, no elo potencial entre antibióticos e algumas doenças metabólicas, com alguns pesquisadores propondo até mesmo que o surgimento das alergias modernas, asma e doenças metabólicas, como o diabetes tipo 2, se devam ao colapso do microbioma ancestral. Essa estrutura, contudo, enfrenta problemas em sua suposição de que a variação na aptidão é geneticamente hereditária. Isto não é o que tem sido observado, escrevem os autores, citando um estudo de 2018 que estimou que menos de 2% do microbioma humano apresenta hereditariedade significativa. Essa estrutura conceitual também minimiza os muitos casos possíveis em que a competição ocorre entre os indivíduos em um superorganismo, uma vez que um dos pilares da teoria é que todos os membros de um grupo têm a mesma aptidão. Embora uma situação verdadeiramente mutualística seja plausível, ela é provavelmente mais rara do que essa estrutura implica. Microbioma como holobionte A visão "holobionte" - um ser vivo indiviso - vê os seres humanos e seus micróbios como entidades que se uniram para maximizar a adequação de seu genoma combinado. Tal como a visão do superorganismo, este arcabouço considera os humanos e seus micróbios como um produto de co-evolução coeso, mas dá peso significativo ao dinamismo e porosidade entre o hospedeiro e os micróbios. Uma terapia que emerge dessa visão é a terapia probiótica, em que micróbios específicos são introduzidos como um meio de promover a saúde. Assim como a visão do superorganismo, essa estrutura baseia-se na suposição de que o microbioma humano como um todo tem herdabilidade significativa, o que não é algo que venha aparecendo nos resultados científicos obtidos até agora. Microbioma como ecossistema Finalmente, a visão "ecossistema" enfatiza o movimento contínuo de micróbios entrando e saindo do sistema humano-micróbio. A hereditariedade é subestimada neste ponto de vista, com a ênfase mudando para fatores locais, bem como até mesmo um elemento de aleatoriedade, afetando o movimento de micróbios e a composição dos nossos microbiomas. Essa estrutura enfrenta problemas, no entanto, em sua incapacidade de reconhecer a força de algumas das conexões entre o hospedeiro e o micróbio, que têm a capacidade de co-evoluir. Além disso, essa visão pode apresentar dificuldades no desenvolvimento de terapias. Visão pragmática Como cada visão tem vantagens e desvantagens, os autores sugerem que se adote uma abordagem pragmática. Como não há, atualmente, uma visão clara de qual estrutura seja mais "correta" do que outras, os autores sugerem que os médicos, cientistas e pesquisadores mantenham todos os pontos de vista em mente ao desenvolver terapias para doenças e transtornos. O que é mais do que provável do que se chegar a uma teoria única, afirmam, é que cada estrutura teórica é provavelmente útil em alguns cenários e não muito útil em outros. Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br URL: https://diariodasaude.com.br./print.php?article=diferentes-teorias-sobre-microbioma-humano-levam-diferentes-terapias A informação disponível neste site é estritamente jornalística, não substituindo o parecer médico profissional. Sempre consulte o seu médico sobre qualquer assunto relativo à sua saúde e aos seus tratamentos e medicamentos. |